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Autonomia do banco central criou inflação superior aos combustíveis

Atualizado: 1 de jul. de 2023

Com 168% de reajuste na Selic em apenas 5 meses, independência do BC foi de “bala de prata” a “tiro no pé” do bolsonarismo. Entenda...

Após sua independência banco central quase triplicou taxa Selic e hoje é mais um peso na inflação recorde | Sede administrativa Banco Central do Brasil - Brasília - DF. | Foto: Marcello Casal Jr. / Agência Brasil

Se alguém me perguntasse, em 2020, se o governo Bolsonaro tinha cometido algum acerto na economia eu responderia sem pestanejar: “Cometeu apenas um acerto, a redução drástica da taxa Selic”. A Taxa Selic é a taxa de juros básica, no limite da simplificação é o custo do dinheiro, quanto mais baixa a taxa Selic, mais barato é a captação de crédito no mercado, a taxa é a referência para remunerar todos os tipos de produtos financeiros, como crédito para capital de giro, crédito imobiliário, crédito pessoal etc.


Em agosto de 2020 a taxa chegou ao menor patamar histórico (2,00% a.a.) e essa mínima histórica persistiu até o início do ano, porém, de março até agosto deste ano a taxa Selic cresceu 162%, passando para 5,25% a.a., mas com a escalada da inflação analistas apostam que o Comitê de Política Monetária (COPOM) pode elevar para até 9% a Selic até o final do ano.


Para as contas públicas esses aumentos de juros são muito prejudiciais, cada 1% acrescentado à taxa Selic, aumenta a dívida pública em mais de R$ 30 bilhões e apenas de fevereiro a julho o Banco Central aumentou a Dívida Pública Federal (DPF) com taxa flutuante, em mais de R$ 100 bilhões, passando de R$ 1,81 trilhão em fevereiro de 2021, para R$ 1,92 trilhão em julho de 2021.


É como se você comprasse uma moto com R$ 18 mil, pagasse 3 parcelas e sua dívida subisse para R$ 19 mil, porque em 5 meses os juros de 2% mais que dobrou. A diferença é que com o aumento da Selic, você paga mais, mas não fica com a moto, esses R$ 100 bilhões a mais para pagar a dívida pública saem dos bolsos do contribuinte, esse dinheiro terá de sair de políticas públicas e de eventuais investimentos, tão necessários em períodos de recomposição econômica.


Esse é um movimento que só beneficia os “credores” do país, os donos dos títulos da dívida, os bancos. Quanto maior a Selic, maiores os rendimentos dos títulos do tesouro, maiores os juros que os bancos cobram no crédito imobiliário — 20% mais caro até agora —, por exemplo, e mais segurança para os fundos de investimento que têm por hábito ancorar parte dos riscos das carteiras que administram em papéis públicos, logo, se os juros sobem e os papeis rendem mais, os bancos lucram mais porque a performance dos fundos de investimento “magicamente” melhora. Vale lembrar, ainda que não haja impedimento legal, que Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, trabalhou por 18 anos para o banco Santander, um dos principais bancos do país e um dos principais beneficiados pelo aumento da taxa de juros. Se não há um conflito de interesse direto, parece haver, no mínimo, uma boa vontade com o setor que o empregou por tantos anos e que provavelmente voltará a empregá-lo quando sua aventura pelo Banco Central terminar.


CONTROLE PÚBLICO x CONTROLE AUTÔNOMO


De 1.998, no final da primeira gestão FHC (PSDB), até agosto de 2020, a taxa Selic foi sendo combatida paulatinamente passando de inacreditáveis 38% a.a. para os 2,00% registrados na gestão Bolsonaro (sem partido). Esse avanço, fez, por exemplo, com que o Brasil fizesse a maior inclusão social do mundo, fazendo com que milhões de famílias pudessem financiar a linha branca de sua casa (geladeira, fogão, forno), comprar o primeiro veículo da família, financiar o primeiro imóvel e até a universidade dos filhos. Edit: No final do governo FHC (dezembro de 2002) a Selic enfrentava um momento estresse, passando de 18% para 22% em apenas 4 meses, ainda assim, 16 p.p.a menos que a taxa de juros recebida de Itamar Franco.


Em 2006, final da primeira gestão do governo Lula (PT), a Selic já marcava 13,25% a.a., sendo que FHC passou o bastão com a taxa de 25% (janeiro de 2003). É óbvio que isso deu fôlego para que ele fosse reeleito e o Brasil decolasse no melhor momento econômico na história, desde a redemocratização.


Em 2008 o mundo passava por uma da maiores crises econômicas da história, gerada pelo mercado financeiro estadunidense com casos absurdos de especulação sobre títulos imobiliários completamente desregulados e casos de pirâmides financeiras implodindo em plena Wall Street, bem embaixo do nariz do governo estadunidense. E foi a partir desse momento, quando economias do mundo inteiro desabavam, bancos quebravam, empresas fechavam, pessoas perdiam seus empregos e suas casas, que o mundo quebrou o paradigma e descobriu que baixar juros e realizar expansão monetária durante períodos de crise, gera benefícios econômicos e não descontrola a inflação como se pensava até então.


Para a retomada econômica, o mundo econômico desenvolvido que já vinha praticando taxas de juros mais baixas para fomentarem o crescimento de seus países e o controle do desemprego, tombaram completamente suas taxas de juros para níveis negativos e, finalmente, o mito de que os juros baixos causam inflação, ou que juros altos curam a inflação caiu por terra, na última década os países baixaram suas taxas de juros a níveis negativos nos EUA e Europa, reduziram o desemprego e retomaram o crescimento sem nenhum susto inflacionário.


Aqui no Brasil a gestão Dilma (PT) até arriscou seguir por esse caminho, em março de 2013 a taxa chegou a 7,5%, porém, com a economia pouco afetada pela crise de 2008, a demanda superou a oferta e mesmo com a chegada de grandes montadoras ao Brasil — JAC (2012), Hyundai (2012), Mercedes-Benz (2013) e Jeep (2015) — a entrega de veículos no Brasil enfrentava filas de até 3 meses, o consumo estava extremamente aquecido pelo crédito pessoal, mas os juros bancários ainda eram impeditivos para investimentos. A Inflação acelerou e o governo Dilma entrou em rota de colisão com Eduardo Cunha que chantageava o governo com a possibilidade de aceitar algum dos pedidos de impeachment.


Para tentar evitar seu impedimento o governo Dilma abandonou suas convicções econômicas e ao invés de regular o crédito, ou cortar subsídios empresariais, preferiu atender às chantagens do “mercado” e até Joaquim Levi, ex-presidente do Bradesco (mais um banqueiro), foi chamado para apagar o incêndio. Dilma entrou com a Selic em 10,75% a.a. e saiu em agosto de 2016, por via do impeachment, com a Selic em 14,25% a.a. Colocando fim a uma série histórica de quedas da Selic.


Porém, desde o governo Temer (MDB) o governo federal apostou nessa redução da taxa Selic para tentar fazer caixa, já que essa taxa é a base para a remuneração e rolagem da dívida pública, logo cada ponto percentual da taxa Selic reduzido, representa um valor menor de juros a ser pago pelo tesouro nacional sobre a dívida pública mantida.


O movimento de baixa da Selic é um movimento virtuoso, pois a consequência dessa redução da taxa básica de juros é a queda do custo do crédito, o que de forma geral melhora o ambiente de consumo e negócios do país. Para se ter uma ideia, esses mais de R$ 100 bilhões acrescidos à dívida pública por conta desse movimento de juros é quase 400% (4x) maior que o orçamento de aprovado para investimentos federais em 2021 e mais de 10 vezes (1.000%) maior que os R$ 9,5 bilhões previstos para 2022.

O Governo Bolsonaro recebeu o país com Selic de 6,5% a.a. em janeiro de 2019 e a política econômica continuou levando a sério a necessidade de baixar os juros no país, o que eu considero o único acerto desse “desgoverno”, até que em fevereiro desse ano, o mantra liberal “autonomia do Banco Central” chegou ao mundo material e mostrou a que veio.


Curiosamente, o período de aumento de 162% na taxa básica de juros, coincidiu com o período de autonomia do banco central, através da lei complementar sancionada por Bolsonaro em 24 de fevereiro. Menos de um mês depois, na reunião de 17 de março, em pleno pico da segunda onda da pandemia, com desemprego em alta e empresas quebrando, o Banco Central do Brasil, agora autônomo/independente, dono do próprio nariz, “colocou as manguinhas de fora”, subiu os juros em 0,75%, para 2,75% um salto de 37% em relação aos 2,00% que vinham sendo mantidos há mais de 6 meses (ago. 2020).


Relação Juros x Inflação:


Infelizmente pouco se fala sobre o impacto dos juros sobre a inflação, porque juros não são considerados nos cálculos de índices de preços ao consumidor como o Índice Nacional de preços ao Consumidor (INPC) — que mede a inflação de rendas entre 1 e 5 salários-mínimos — e o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) — 1 a 40 salários mínimos —, logo, não pesam diretamente nos indicadores de inflação, porém, é importante lembrar que toda a cadeia produtiva é dependente de crédito, seja para investimento, manutenção da empresa em negócios sazonais ou até para montar estoques a preços mais vantajosos e, por óbvio, os 162% de aumento na taxa básica de juros pesa diretamente sobre o custo de produção e de prestação de serviços, sendo o setor de serviços principal vetor econômico do país, responsável por mais de 60% do PIB.


Claro que os aumentos não são repassados proporcional e integralmente ao consumidor, mas esses reajustes já são visíveis na taxa média de juros das operações de crédito para empresas (PJ). Por exemplo, a taxa que em setembro de 2020 chegou a uma média de 9,99% a.a., já avançou até 13,47% a.a., segundo dados do Banco Central, um aumento de 34,2%, índice de inflação superior ao IPCA (9,68%) e ao INPC (10,42%), semelhante ao de itens como Laranja Lima (33,42%), Gás Veicular GNV (33,18) e superior ao aumento de itens como a média das carnes (30,77%) e a média de aumento dos combustíveis (30,22%).

Variação da taxa de juros média, de janeiro de 2018, último ano do governo Temer, até agosto de 2021, 3º ano do governo Bolsonaro. | Fonte: Banco Central do Brasil

Na tabela abaixo, é possível ver no detalhe a evolução da Selic nos últimos 12 meses, mostrando uma clara tendência de alta no juros médio dos créditos para pessoas jurídicas.

Fonte: Banco Central do Brasil

Publicamente o Banco Central diz que os reiterados aumentos na taxa de juros estão sendo dosados para controlar a inflação, porém essa visão é altamente contestada por diversos economias. Graças à crise de 2008 e aos esforços dos países na retomada econômica, atualmente já se sabe que as taxas baixas de juros, em economias com capacidade instalada ociosa, não pressionam a inflação, porque, nesse caso, o aquecimento da economia ocupa a capacidade produtiva ociosa. Com base nessa certeza, desde a crise de 2008, o mundo inteiro se utiliza de taxas de juros muito baixas ou até negativas (abaixo da inflação), para estimular a criação de empregos e a queda dos índices de ociosidade produtiva. Isso acontece porque quando os juros sobem, negócios especulativos ficam mais atraentes e o rentismo (viver de renda sem produzir) passa a valer a pena, mas quando os juros caem, o dinheiro do especulador busca o risco da economia real em busca de rendimentos mais altos.


Nos EUA por exemplo a taxa básica de juros está por volta de 0,25% e o desemprego, mesmo com a pandemia, estava em 5,9% em junho; No Brasil, uma economia extremamente deficitária, com um parque industrial em retração e mais de 15 milhões de desempregados (14,6%), possui uma ociosidade enorme, manter os juros baixos não acentuaria a inflação.


CAUSA ou EFEITO?


O ponto mais fundamental dessa análise é constatar que a inflação não está sendo causada pelo excesso de consumo, o que poderia justificar uma alta de juros como forma de desestimular o consumo, mas a inflação está sendo causada pelas políticas de preço, pelo câmbio e pela política de exportação de alimentos.


Na prática, o que o Banco Central Independente está conseguindo se tornar um peso inflacionário no momento em que o país mais precisa de juros baixos. O BC autônomo consegue afundar ainda mais aquilo que parecia não ter como piorar, o governo Bolsonaro.

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