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A desculpa que faltava para gostar de Tiago Iorc...

Muito além do óbvio, Tiago Iorc surpreende com letra sobre masculinidade frágil.

Cena do Clipe Masculinidade - Tiago Iorc | Dir. de fotografia: Rafael Trindade

Muito louco, ainda não acredito que esse será o assunto da minha semana, mas será.

Apesar de eu ser um colunista que fala economia, eu sou um apaixonado por artes, não artes clássicas, artes acessíveis, música, teatro, cinema, dança e tudo que envolva as pessoas em uma vibração de conscientização, confraternização e outras coisas boas. É pela arte que eu fujo do amargor de conhecer e entender a pornografia econômica que manda e desmanda nos rumos do país.


Apesar de um apreciador, eu não tenho, ou ainda não descobri meu dom artístico, mas dizem que Deus dá o frio conforme o cobertor e nesse sentido meu cobertor é parrudo. Tendo dezenas de amigos com aspirações artísticas, alguns muito talentosos mas perdidos em outras funções sociais para poderem sobreviverem com dignidade, enquanto outros com melhor sorte conseguem seguir produzindo e reproduzindo sua arte por aí.


Foi então que um desses amigos, o ator Dionísio Neto, compartilhou um vídeo do Tiago Iorc. Bom, achei que fosse algo para rir, nós temos uma confluência humorística pautada nas amenidades da vida, mas para minha surpresa... Tiago Iorc estava careca — em nosso mais recente encontro brincamos sobre o fato de eu parecer o Tiago Iorc e óbvio que era brincadeira, Tiago Iorc é um cara lindo e eu sou um cara, digamos, mais rústico, mas o elástico de cabelo era meio parecido mesmo.

Tiago Iorc / Reprodução

O que um leigo como eu sabia até então sobre Tiago Iorc? O típico galã de malhação, multitalentoso, afinado, parece que toca bem um violão e deve ser o rei do luau. As músicas são meio românticas, mas romance sem tantã não faz bater meu coração, enfim, não ouvia. Mas esqueçamos o óbvio, Tiago Iorc não tem mais cabelão, resolveu copiar o penteado que eu usava antes da pandemia, está careca. Sem cabelo, sem violão, nem banquinho. No clipe nenhum sinal de mulher e o estilo de galã de malhação? Bom, galã sim, da malhação eu discordo. O cara está derramando talento, sem menosprezar a novelinha que entreteve minha vida jovem, parece que o talento dele não caberia mais no folhetim “das cinco”... Tiago transbordou.


O clipe é minimalista, um estúdio branco, Tiago Iorc e uma câmera muito envolvida no que estava filmando. Como adiantei, o cantor aparece sem o famoso cabelão, ou coque samurai. Seu figurino também é curioso, expõe todo seu tronco sem camisa e compõe a fotografia sua calça boca de sino vermelha. É um clipe extremamente conceitual, encantador!


A música ainda segue seu estilo, mas não os temas comuns, não é uma baladinha de Amor, o tema é autoconhecimento, soa como um desabafo, um soco no estômago que começa com uma reflexão que parece jogar luz sobre seu recente sumiço da mídia após a explosão de fama que o envolveu:

“Eu tava numa de ficar sumido Dinheiro, fama, tudo resolvido Fingi que não , mas na verdade eu ligo”...

Eu é que estou escrevendo e tem dinheiro no trecho acima, mas como eu disse no começo da coluna, esqueça o óbvio, não é sobre isso...

Quando a música começa, o clipe começa a revelar Tiago ajoelhado, encolhido, indefeso, com os braços protegendo seu rosto.


Depois a música começa a colocar umas batidas sobre aquele vocal mixado, o ritmo não me é estranho, acho que tem uma coisa do TRAP que tanto se ouve hoje — mas que ainda não conheço muito bem então é mais uma impressão. Durante a música, o ritmo e a melodia trocam de formas, misturam Tiago cantando com uma voz sintetizada de forma mais melódica, alternando com alguns trechos em que Tiago declama uma verdadeira poesia que é a letra da música, enquanto interage com toda a narração em seus movimentos e gestos.


A performance do cantor no clipe é uma obra à parte. Longe do clichê de closes no rosto de olhos fechados desejando amor, nesse novo trabalho Tiago Iorc se exibe por completo em uma ótima coreografia, assinada por Ariany Dâmaso e muito bem executada pelo próprio cantor. Apreciadores de dança, gostarão de ver um ícone jovem mostrando que podemos soltar nossos corpos e nos expressar de maneiras não tão óbvias.

Cena do Clipe Masculinidade - Tiago Iorc | Dir. de fotografia: Rafael Trindade

Meu hábito de observação mercadológica das coisas, me fez até pensar que poderia ser uma jogada de marketing para o mundo Tik Toker que vivemos e o quadro estreito do clipe também sugere isso, mas a letra da música é muito boa, parece que ali tem “conteúdo demais” para caber no show de vazios que acontece no Tik Tok. Esse trabalho de Iorc é para ver em tela grande, quanto maior melhor, é clipe para reproduzir em fachadas de prédios, não em minitelas de “miniversos”.


Apesar de simples, o clipe é grande e elaborado, o cantor dança com a câmera em uma harmonia muito sincronizada, fazendo poses, movimentos, gestos e expressões faciais em um estrondoso plano sequência (sem cortes) de 6 minutos. Algo que deve ter dado um super trabalho de coreografia, direção e muito ensaio, mas que resultou em uma tela preenchida pelo elemento de cena, o próprio Tiago. Talvez seja esse o motivo do quadro mais estreito, uma forma de evidenciar e preencher a tela com o cantor.


Apesar de tudo isso, o ponto alto desse novo trabalho e motivo que me trouxe a escrever sobre isso e não sobre o maravilhoso momento econômico que vivemos (contém ironia), foi exatamente a letra, o ponto alto da letra que como sugere o título “masculinidade” é a desconstrução do homem macho, e a reflexão sobre a masculinidade tóxica.


“Eu cuido pra não ser muito sensível Homem não chora, homem isso e aquilo Aprendi a ser indestrutível Eu não sou real”

Acho que a letra tem profundidade, tem verdade e desabafo. Tiago Iorc deve sofrer com o machismo, infelizmente, na nossa cultura homofóbica, o ser homossexual é considerado um xingamento e usado para reprimir pessoas que independente de sua sexualidade predominante, deseje ter comportamentos, erroneamente associados a um gênero específico, como a vaidade ou a sensibilidade, geralmente associadas às mulheres. A letra continua:


“Quando criança, era chamado de bicha Como se fosse um xingamento Que coisa mais esquisita Aprendi que era errado ser sensível Quanta inocência Eu tive medo do meu feminino Eu me tornei um homem reprimido Meio sem alma, meio adormecido Um ato fálico, autodestrutivo No auge e me sentindo deprimido Me vi traindo por ter me traído Eu fui covarde, eu fui abusivo Pensei ser forte, mas eu só fugi...”

Uma das coisas que aprendi ao apreciar a arte, é a não cair na cilada de considerar que a obra de um artista carrega em si uma espécie de autobiografia. Logo, não há como definir exatamente o que o cantor quis dizer, sem conhece-lo intimamente e seria uma tolice fazer questão de saber o quão autobiográfico isso é, porque, ao contrário da economia, a arte cresce com a especulação, na arte o pensamento não é tão fechado e dá margens para aplicarmos, replicarmos e refletirmos sobre as diversas possibilidades que se encaixariam nessa letra. Mas, desde a ausência daquele cabelão que ele tinha, passando pelo minimalismo do clipe e a abstração da coreografia, a mensagem é clara, a obra “masculinidade” fala sobre aprendizado, descobertas, desconstrução e, porque não, reconstrução.


Corajoso e feliz em sua mensagem, Tiago Iorc entrou em temas espinhosos e cercados de tabus, como sexualidade, violência, masculinidade frágil e vício em pornografia.

...E caí na pornografia Essa porra só vicia Te suga a alma, te esvazia E quando vê passou o dia E você pensa que devia Ter outro corpo, outra pica A ansiedade vem e fica Caralho! Isso não é vida!

De tempos em tempos entra o refrão, que vale por uma música toda:

Cuida, meu irmão Do teu emocional Cuida do que é real Cuida, meu irmão Do teu emocional Cuida do que é real

Um cara talentoso que fugiu do óbvio, se tornou surpreendente, pode ser bom observar o que vem pela frente. Essa letra profunda e cheia de desconstruções e reconstruções faz lembrar Lulu Santos que compõe suas músicas tão profundas quanto diversas sessões de terapia.


Vou parar por aqui, porque melhor do que eu explicar, é você ouvir, ou ler. Segue abaixo o clipe e a letra:

Masculinidade

(Tiago Iorc, Mateus Asato, Lux Ferreira e Tomás Tróia)


“Eu tava numa de ficar sumido

Dinheiro, fama, tudo resolvido

Fingi que não , mas na verdade eu ligo

Eu me achava mó legal


Queria ser uma unanimidade

Eu quis provar minha virilidade

Eu duvidei da minha validade

Na insanidade virtual


Eu cuido pra não ser muito sensível

Homem não chora, homem isso e aquilo

Aprendi a ser indestrutível

Eu não sou real


Conversando com os meus amigos

Eu entendi que não é só comigo

Calar fragilidade é castigo

Eu sou real


Cuida, meu irmão

Do teu emocional

Cuida do que é real

Cuida, meu irmão

Do teu emocional

Cuida do que é real


Masculinidade frágil, coisa de menino

Eu fui profano e sexo é divino

Da minha intimidade, fui um assassino


Que merda...


Quando criança, era chamado de bicha

Como se fosse um xingamento

Que coisa mais esquisita


Aprendi que era errado ser sensível

Quanta inocência


Eu tive medo do meu feminino

Eu me tornei um homem reprimido

Meio sem alma, meio adormecido

Um ato fálico, autodestrutivo


No auge e me sentindo deprimido

Me vi traindo por ter me traído

Eu fui covarde, eu fui abusivo

Pensei ser forte, mas eu só fugi...


E caí na pornografia

Essa porra só vicia

Te suga a alma, te esvazia

E quando vê passou o dia


E você pensa que devia

Ter outro corpo, outra pica...

A ansiedade vem e fica

Caralho! Isso não é vida!


Cuida, meu irmão

Do teu emocional

Cuida do que é real

Cuida, meu irmão

Do teu emocional

Cuida do que é real


Meu pai foi minha referência de homem forte

Trabalhador, generoso, decidido

Mas ele sempre teve dificuldade de falar

O pai do meu pai também não soube se expressar

Por esses homens é preciso chorar

E perdoar...


Essa dor guardada

Até agora, enquanto escrevo

Me assombra se o que eu digo é o que eu devo

Um eco de medo

O que será que vão dizer?

O que será que vão pensar?


A rejeição ensina cedo:

Seja bem bonzinho ou então vão te cancelar

Que complexo é esse? Mamãe, é você?!

Me iludi nessa imagem, tentei me esconder

Eu só posso ser esse Tiago

Cheio de virtude, cheio de estrago

Que afago crescer, aceitar

Ai, ai...


Esse homem macho, machucado

Esse homem violento, homem violado

Homem sem amor, homem mal amado

Precisamos nos responsabilizar, meus amigos

A gente cria um mundo extremo e opressivo


Diz aí, se não estamos todos loucos


Por um abraço

Que cansaço

Cuidado com o excesso de orgulho

Cuidado com o complexo de superioridade, mas

Cuidado com desculpa pra tudo

Cuidado com viver na eterna infantilidade

Cuidado com padrões radicais

Cuidado com absurdos normais

Cuidado com olhar só pro céu

E fechar o olho pro inferno que a gente mesmo é capaz


Cuida, meu irmão

Do teu emocional

Cuida do que é real

Cuida, meu irmão

Do teu emocional

Cuida do que é real


Minha alma é profunda e se a foga no raso

Minha alma é profunda e se afoga no raso

Minha alma é profunda e se afoga no raso


Eu fico zonzo

Fico triste

Fico pouco

Fico escroto

Eu sigo à risca


O que é ser homem


Isso não existe

A vida insiste

O tempo todo

Que eu repense


O que é ser homem?

O que é ser homem?

O que é ser homem?

O que é ser homem?

O que é ser homem?


Há tantos e tantos

E tantos e tantos e tantos

Possíveis homens

Homem real e não ideal

Ser homem por querer se aprender, todo dia

Dominar a si mesmo

Apesar de qualquer fobia: respeito


Tem que ter peito

Tem que ter cu pra amar direito

Vou dizer que não?

Esperando sentado por salvação?


Conexão, empatia, verdade

Divino propósito: responsabilidade

Deitar a cabeça no travesseiro e sentir paz

Por ter vivido um dia honesto


Ah...


Ser homem exige muito mais do que coragem

Muito mais do que masculinidade

Ser homem exige escolha, meu irmão

E aí?”

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