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DIEESE: Salário-mínimo em abril deveria ter sido de R$ 5.330,69; entenda o cálculo

Entenda o passo a passo da metodologia utilizada no cálculo de salário-mínimo que o DIEESE divulga mensalmente.


Entra mês, sai mês e lá vem aquela enxurrada de notícias sobre quanto deveria ser o valor do salário-mínimo nacional.


Talvez você já saiba que esse salário-mínimo é uma estimativa calculada pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, o famoso e essencial DIEESE, que faz acompanhamentos estatísticos importantíssimos com relação a economia popular, como a evolução do valor da cesta básica, dado crucial para o cálculo do salário-mínimo ideal.


Nessa matéria especial você vai entender a fórmula por trás desses valores aparentemente tão distantes que e tão incompatíveis com a realidade nacional.


A fórmula do DIEESE:


A fórmula até que é simples. O DIEESE segue algumas premissas básicas para desenvolver essa equação:


A primeira é o Decreto-lei nº 399 de 30 de abril de 1938 que em seu capítulo VIII que regulamenta a execução da lei nº 185, de 14 de janeiro de 1936 cujo seu artigo 1º instituía:

“Todo trabalhador tem direito, em pagamento do serviço prestado, num salário-mínimo capaz de satisfazer, em determinada região do país e em determinada época, das suas necessidades normais de alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte”

Essa primeira premissa serve de base para que o DIEESE calcule o valor da cesta básica que contenha a quantidade mínima dos itens descritos na tabela abaixo:


A segunda premissa que o cálculo do DIEESE segue, é considerar o percentual que o alimento representa na renda das pessoas. Para isso seguem a Pesquisa de Orçamento Familiar, POF, realizada pelo próprio DIEESE em 1994, na cidade de São Paulo. À época, esse o gasto de uma família com alimentos era de 35,71% da renda. Sendo assim, a fórmula para a cesta básica é:

0,3571 é referente aos 35,71% gastos com alimentação de acordo com a Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) 1994/1995

C.F.A. = Custo Familiar de Alimentação C.C. = Custo da Cesta Básica de maior valor (UF)

Essa sopa de letrinhas pode parecer complicada à primeira vista, mas é bem mais simples do que parecem. Troquemos as letrinhas por números reais.

Observe: Em abril a cesta básica mais cara foi a de Florianópolis por R$ 634,53. Logo, C.C. = R$ 634,53.

O resultado parece um valor inimaginável para o Brasil de hoje. Qualquer micro e pequeno negócio fica de cabelo em pé só de imaginar em pagar um salário-mínimo desses, mas calma, a terceira premissa que o DIEESE segue é exatamente a definição constitucional de salário-mínimo:


“fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender às suas necessidades vitais básicas (do trabalhador) e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que preservem o poder aquisitivo”

Constituição Federal de 1.988, art. 7º, parágrafo IV.


O cálculo da DIEESE diz respeito ao salário-mínimo familiar, considerando para esse exemplo uma família com 2 adultos e 2 crianças (ou 3 adultos, já que para o cálculo considera-se que cada criança consome metade de uma cesta básica).


Salário-mínimo familiar:


O que o DIEESE faz é simular a composição média da família brasileira e é claro que isso pode gerar certas imprecisões na forma como esse resultado é divulgado, já que as famílias mais pobres, aquelas que mais precisam ser assistidas pelo instituto do salário-mínimo, têm em média 2,9 filhos, ao passo que as famílias mais ricas têm 0,77 filhos por família. Uma diferença significativa no orçamento familiar necessário.


Há também um gigantesco abandono parental no Brasil. Atualmente, aproximadamente 6 milhões de crianças não possuem sequer o nome do pai no documento, outras milhões de crianças sabem quem é o pai, mas são criados somente pela mãe, sem o devido suporte financeiro por parte do pai.


Porém, em um país com a demografia e dimensão do Brasil, existem muitas variações na composição das famílias. Por isso, observe abaixo alguns exemplos.


Lógica:

Se para uma casa com 2 adultos e 2 crianças (= 3 adultos) São necessárias 3 cestas básicas, em uma casa com apenas um adulto, o cálculo seria:

Certo?


Errado. Parece ser bem simples, mas não é, observe esse outro exemplo:

Casa com uma família de 1 adulto e uma criança:



Repare nos dados acima:


Seguindo o cálculo do DIEESE, o salário-mínimo para uma pessoa com um filho, seria de R$ 2.665,34; imaginando que R$ 951,80 são exclusivamente para a alimentação, sobra ainda R$ 1.713,54 para, segundo a constituição pagar moradia (aluguel, luz, água/esgoto, telefone, internet etc.), lazer, saúde, educação e transporte.


Em uma casa com dois adultos, a soma das rendas arcará com apenas um imóvel. Ou seja, cada renda só precisa arcar com metade dos custos de moradia; em uma casa com um pai ou uma mãe solo, a renda que antes arcava com metade de, por exemplo, um aluguel, agora precisa arcar com um aluguel inteiro.


De qualquer anglo que se olhe, parece que essa conta não fecha. E não fecha mesmo, por um motivo simples: A alimentação do Brasileiro não corresponde mais a 35% de seus gastos e isso faz uma diferença enorme no resultado final.


A evolução do Orçamento Familiar:


Como dito anteriormente, a DIEESE utiliza a Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) de 1994/1995, em que as famílias paulistanas declaravam, em média, o uso de 35,71% dos recursos para moradia e 25,5% da renda para habitação; corte seco, na POF de 2018, o gasto do mesmo recorte social em São Paulo, com alimentação passou para apenas 17,5% e o gasto com habitação saltou para 45,7%.

O Valor da cesta básica não pesa mais 35,71% no orçamento familiar, pesa apenas 17,5%, isso se deve a uma valorização real do salário-mínimo ocorrida de lá para cá e às boas práticas pesquisadas e aplicadas pela estatal Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, mas principalmente a um problema gravíssimo, a especulação imobiliária, que trata imóveis como ativos de investimento, sequestrando a função social dos imóveis, fazendo que se valorizem ano após ano, aparentemente artificialmente, já que muitos desses imóveis permanecem desocupados por longos períodos.


Aplicando esse novo percentual, perceba que o valor do salário-mínimo precisa ser muito maior, já que hoje, o principal custo do orçamento familiar não é a alimentação e sim a moradia:

Isso significa que uma família com 2 adultos e 2 crianças, que pela POF de 1994, precisaria de R$ 5.330,69, em São Paulo, para garantir moradia, alimentação, saúde, educação e lazer, atualmente precisaria de R$ 10.877,66.


É necessário considerar também as significativas diferenças nos custos de vida, a depender da região em que se vive. Em Aracajú, por exemplo, capital de Sergipe, com uma cesta básica de R$ 469,66, a alimentação consome 29,5% da renda familiar. Logo, para a mesma configuração familiar alcançar os mesmos direitos constitucionais dos quais o salário-mínimo precisa dar conta, são necessários apenas R$ 4.776,20 (56% a menos em comparação com São Paulo).


Essa diferença gritante se dá por que com uma especulação imobiliária muito menor. Com custos de habitação bem menores, apenas 34,5% do orçamento familiar é destinado para moradia. Valor 32% menor que o percentual necessário às famílias paulistanas.


Uma mãe solo, com um filho, por exemplo, para dar conta de todas as necessidades de uma família, precisaria de R$ 5.330,69, em São Paulo.


Isso significa que desse valor, R$ 2.436 (45,7%) seriam gastos em habitação (aluguel, luz, água, tv, internet), R$ 949 (CFA) em alimentação para ela e seu filho; sobraria ainda R$ 1.945 para dar conta da educação, saúde e lazer para ela e seu filho. (Isso considerando que o Imposto de Renda seja reajustado, pois na atual conjuntura, uma família nessa configuração pagaria 27,5% (R$ 1.465,94) em Imposto de Renda, mesma faixa de Imposto de Renda de milionários e bilionários, mas no caso citado, adeus educação saúde e lazer).


Atualizar o cálculo e denunciar o impacto da especulação imobiliária:


Sabemos que não existe a possibilidade de o salário-mínimo ser instantaneamente reajustado de modo a suprir todas as necessidades constitucionais. Nem os valores propostos atualmente são alcançados, aumentar a pedida não deve ter efeito real, muito menos imediato. Porém, seria de extrema importância passar a sugerir esse novo cálculo, mesmo que paralelamente ao cálculo antigo, de modo a denunciar o avanço dos custos habitacionais sobre a renda do cidadão.


Essa diferença na distribuição do orçamento familiar é especialmente prejudicial para quem vive de aluguel. É um engano terrível fingir que esses indicadores do POF não se alteraram e insistir na mesma fórmula usada há tantos anos e que na prática não se sustenta mais em regiões onde a especulação imobiliária é um problema sério, como acontece em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília.


Embora como dito acima, as famílias que vivem de aluguel, sofram mais com o aumento dos gastos com moradia, é importante notar que os imóveis têm perdido qualidade, diminuído em metragem e mesmo assim o preço do metro quadrado não para de subir nos novos empreendimentos. Há uma percepção de que as facilidades geradas pelos programas habitacionais, como o parcelamento em 360 meses, fizeram com que as incorporadoras se sentissem mais à vontade para cobrar valores bem mais altos que o que seria razoável pelo metro quadrado construído, já que diluído em tantas parcelas, essas diferenças não assustam tanto o consumidor final.


Eu particularmente acredito que a solução não está em elevar o salário-mínimo para valores exorbitantes, isso inviabilizaria provavelmente a maioria dos micro, pequenos e médios negócios, pois, embora se saiba que a adaptação é rápida, porque o ganho real no salário-mínimo favorece o consumo e ativa a capacidade produtiva ociosa do país, um aquecimento econômico generalizado. Porém, o stress político e econômico fazem essa alternativa não ser tão viável.

Mas há viabilidade em uma série de outras medidas:

1. CRIAÇÃO DE INDICADORES:

Por outro lado, existem diversas formas de combater a especulação imobiliária. O primeiro passo é a criação de dados de acompanhamento do mercado imobiliário, como por exemplo a definição de metros necessários para cada adulto e cada criança viverem confortavelmente em uma residência, e a partir disso, acompanhar a evolução do preço de aluguel do metro quadrado em diversas cidades, com o mesmo método de amostragem utilizado para acompanhar a evolução da cesta básica.


2. CRIAÇÃO DE UMA TABELA DE REFERÊNCIA:

Cruzando dados sobre: a renda dos brasileiros, estoque de imóveis vazios nas principais capitais do país preços médios de metro quadrado, desenvolver uma espécie de tabela de referência que indique os valores “justos” por metro quadrado em cada região.

Essa medida poderia balizar os valores dos aluguéis e constranger a especulação irracional que tanto prejudica a economia popular. Além de revelar o descompasso entre a realidade praticada e o ideal racional.

Algo parecido com o que fez a tabela Fipe no mercado automobilístico.


3. POLÍTICAS PÚBLICAS:

A sociedade precisa amadurecer a ideia de políticas públicas que combatam a especulação imobiliária e de forma alguma isso fere o direito a propriedade, já que uma lei como essa não proibiria que as pessoas fossem proprietárias de seus imóveis, mas aplicaria uma regulação sobre isso a fim de proteger a economia popular.


Além do já tão conhecido e discutido IPTU progressivo, há possibilidades de limitar a quantidade de imóveis que as pessoas podem ter por bairros, impedindo assim que a concentração de unidades na mão de locatários investidores, seja capaz de manipular artificialmente o valor do metro quadrado para venda e locação. Por que é que um mesmo CPF precisa ter mais de um imóvel na mesma região? Se apenas em São Paulo existem 32 subprefeituras, uma limitação nesse sentido não seria tão limitante e ainda assim, provavelmente, traria os efeitos desejados.


A especulação gerada por grandes fundos imobiliários, não raramente, resulta no processo chamado de gentrificação, encarecendo o custo de vida em determinadas regiões e expulsando os moradores originais, que acabam indo para as regiões extremas da cidade, longe de seus postos de trabalho, mas onde consiga viver com a pouca renda que tem. Não por acaso o trânsito e a superlotação do transporte público pioram a cada ano, ao passo que as pessoas são obrigadas a irem morar em regiões longe de seu trabalho, aumentando seu deslocamento diário. Isso leva a conclusão de que limitar ou proibir que empresas (CNPJ) mantenham imóveis residenciais, combateria a especulação imobiliária e consequentemente outras práticas desprezíveis como lavagem de dinheiro, sonegação fiscal e desvio de finalidade do caixa das empresas.


Independente das soluções que o debate público seja capaz de encontrar, a denúncia precisa ser feita e o primeiro passo é atualizar os indicadores utilizados no cálculo, para que o abismo social crescente fique ainda mais visível e a necessidade de reformas e desenvolvimento de regulações, seja ainda mais evidente.

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