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Micro e Pequenos que lutem; Refis só tem para gente grande

Governo veta "RELP" para MEIs e SIMPLES Nacional. Suporte econômico continua concentrado nas grandes empresas.

A caneta de Bolsonaro vetou PLP 46/21, que previa refinanciamento de impostos para micro e pequenas empresas | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Hoje o presidente Jair Bolsonaro vetou um programa de refinanciamento de dívidas para MEIs e optantes pelo SIMPLES nacional. A justificativa oficial foi de que o programa fere o interesse público por gerar renúncia de receitas e violar as leis de responsabilidade fiscal.


O projeto de lei complementar 46 de 2021 (PLP 46/21) que foi aprovado na Câmara por larga maioria com apenas 10 votos contra após ser aprovada, por unanimidade, no Senado Federal, com 69 votos a favor, o que leva a crer que o poder legislativo provavelmente derrubará o veto presidencial. Independentemente disso, uso minha coluna de hoje para explicar esse projeto e apontar a imoralidade que é vetar um projeto como esse no país do famigerado REFIS.


A PLP 46/21 foi proposta para que MEIs e empresas optantes pelo Simples, que tiveram perda de faturamento por causa da pandemia, possam ter condições especiais de refinanciamento da dívida com o fisco e previa descontos de até 90% sobre os juros e multas, através do que seria o Programa de Reescalonamento do Pagamento de Débitos no Âmbito do Simples Nacional (Relp), algo justificado pelo momento de dificuldade econômica pela qual o país passa.

Trabalhadores informais devem ser os principais atingidos, desde o ano passado o governo federal tem inativado MEIs com mensalidades atrasadas. Seria a oportunidade de regularização para esses profissionais. | Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

O resultado esperado desse tipo de iniciativa é a manutenção das atividades de empresas que, dada a própria natureza pequena, não dispõem de boas condições de crédito nem caixa para suprir o pagamento desses juros e multas sem desinvestir na empresa.


Seria um novo REFIS?


Apesar da aparente semelhança com o programa de Recuperação Fiscal, o REFIS, o RELP, programa vetado pelo presidente, é bem diferente, principalmente pelo alvo do benefício. Enquanto o RELP, vetado pela presidência, atenderia Micro Empreendedores Individuais (MEIs), categoria com renda máxima de 81 mil reais por ano (6.750 / mês) e empresas optantes pelo Simples, micro e pequenas empresas com faturamento máximo de 4,8 milhões por ano (400 mil / mês), o REFIS é mais polêmico, pois grandes empresas o usam regularmente, não para se organizarem após períodos de turbulência, mas como estratégia fiscal para turbinarem os lucros. Na edição de 2018, por exemplo, bancos e fábricas de bebidas foram as que mais obtiveram descontos, mais de 50% em média. Setores que passam longe de crises aqui no Brasil.


Conforme apurado pela Folha de S. Paulo, na ocasião, o Itaú por exemplo, o maior banco nacional em faturamento e lucro líquido, obteve 57% de desconto no Refis de 2018, pagando apenas 74 milhões, dos mais de 173 milhões de reais devidos. Algo que poderia ser visto como inofensivo caso o banco passasse por dificuldades, queda nos lucros e caso não tivesse distribuído 9 bilhões de reais apenas para duas famílias que compõem o quadro de sócios majoritários. Ao todo o banco distribuiu mais de 24 bilhões de reais em lucros e dividendos, a maior parte livre de tributação. Outro que se deu bem foi o banqueiro André Esteves, que aderiu ao REFIS para sua pessoa física, após acumular dívida pessoal de 92 milhões de reais com a receita federal. Conseguiu o acordo e pagou apenas 44,5 milhões, o resto foi a população quem pagou.

André Esteves, o banqueiro (BTG Pactual), que recentemente confessou em palestra, ter acesso privilegiado ao presidente do Banco Central para sugerir a taxa Selic adequada, teve mais de 50% de desconto em sua dívida pessoal com a Receita Federal | Foto: CLAYTON DE SOUZA/ESTADÃO CONTEÚDO/AE/

O desconto é tão absurdo e abusivo que, no caso do Itaú, poderia pagar quase 2 vezes os 52 milhões de reais que apenas o presidente do banco recebeu no ano seguinte, conforme apurado pela revista Exame. A mim, parece abusivo um banco pagar um valor assim para um executivo, distribuir 24 bilhões em lucro enquanto achaca os cofres públicos com 57% de desconto nos impostos devidos, no mesmo ano em que o teto do funcionalismo público girava em torno de 500 mil reais (na melhor carreira) e o salário-mínimo anual do país era de pouco mais de 13 mil reais, 4 mil vezes menor que o salário do presidente do banco.

Mas esse não foi o único caso. Empresas como JBS, BRF e Marfrig, alguns dos maiores frigoríficos, juntos, conseguiram mais de 1,6 bilhão de reais em desconto, 34% dos 4,7 bilhões devidos.


Públicos diferentes, problemas semelhantes:


Todos os programas de refinanciamento fiscal guardam problemas sérios. É através da arrecadação desses impostos que o Estado se financia, não apenas para pagar a manutenção da estrutura como salários de professores, médicos, policiais e de todo o funcionalismo, como também é com esse dinheiro que o país paga os juros da dívida, a previdência pública e faz investimentos em infraestrutura para podermos crescer economicamente.


Logo, quando se fala em refinanciar impostos com descontos tão altos como no caso do REFIS, estamos falando de duas visões simultâneas: se por um lado é possível reforçar os cofres públicos com um valor devido, que de outra forma algumas empresas não teriam como pagar, por outro lado, é importante lembrar quem paga esses tributos são os consumidores dessas empresas, já que os tributos estão embutidos nos preços dos produtos e serviços, essas empresas apenas repassam o valor arrecadado para a autoridade fiscal, de modo que quando não fazem, estão desviando dinheiro público.


Quando o desconto é dado, o consumidor/cidadão é lesado, pois não terá a integralidade dos seus impostos retornados em serviços públicos de qualidade, mas sim em benefício para empresas que, como vimos, nem sempre correm risco de falência ou prejuízos, apenas se aproveitam das brechas de leis pessimamente elaboradas. Basta saber se a baixa qualidade das leis acontece por má fé ou por ignorância dos legisladores que, de alguma forma, podem receber vantagens como as doações para campanhas, que ainda são possíveis se partidas de pessoas físicas e de outras formas tradicionais no cenário político brasileiro.


Faltam contrapartidas e medidas austeras:


O ano é 2008, a crise financeira se instala no mundo graças a atividade bancária estadunidense que àquela altura especulavam absurdamente com títulos imobiliários e por isso facilitavam o crédito irresponsável. Bancos faliram, empresas faliram, milhões de pessoas em todo o mundo perderam seus empregos e o problema poderia ter sido pior, o governo federal estadunidense à época representado por George W. Bush emite ajuda financeira para a gigante General Motors (Chevrolet), a fim de evitar a falência da empresa e a extinção de centenas de milhares de empregos do dia para a noite. Porém, houve uma condição, a empresa deveria cortar os salários dos executivos e extinguir todos os luxos, vender jatos, cancelar contratos de voos executivos e outros vários luxos inadequados para aquele momento em que a empresa passava o chapéu para não quebrar, até questões de sustentabilidade e emissão de carbono foram postas à mesa. Pois bem, os empregos foram salvos e a empresa se tornou mais austera, cortando a gordura onde mais tinha e menos doía, no alto escalão da empresa, até os bônus por resultados foram vetados, racionados e racionalizados.


Sempre que um país passa por crises, como a Grécia passou, a ponto de precisar de apoio internacional, o mundo cobra desses países, seja na figura do FMI, ou de grupos econômicos como a OCDE e União Europeia, o que ficou conhecido como “medidas austeras”, ou, em português claro: corte de gastos, economia, fechar a torneira do dinheiro... algo que eu e muitos economistas progressistas e desenvolvimentistas acham uma tolice do ponto de vista de uma nação, pois não é razoável tentar consertar as contas de um país deixando o povo mais vulnerável em dificuldades, sem serviços ou políticas públicas de impacto social. Mas para empresas, esse tipo de contrapartida é extremamente necessária e razoável, afinal, quando uma empresa afunda, geralmente o furo está no lucro e patrimônio exagerado dos “capitães” que não afundam junto.


Sabendo que o dinheiro público nada mais é do que fruto de impostos que cidadãos pagam e empresas repassam para o poder público, é mais do que óbvio que quando uma empresa desvia esse dinheiro para pagar outros custos, que não repassar à receita federal, se deve a um momento de grande dificuldade. E se, principalmente, as grandes empresas (faturamento anual acima de 300 milhões de reais) acham justo usar dinheiro público para sanar problemas de uma empresa privada, é justo que na hora de acertar as contas com o fisco, ao obter vantagens como descontos, parcelamentos ou abatimento de juros, essas empresas gerem contrapartidas sociais e adotem medidas de austeridade como, por exemplo, redução de salários dos executivos para o teto do funcionalismo público, venda de aeronaves particulares e outros bens não inerentes a atividade final da empresa, obrigatoriedade de viagens em voos comerciais comuns ao invés de jatinhos alugados, suspensão de distribuição de bônus, lucros e dividendos, obrigatoriedade de reinvestimento de 100% do lucro do ano em que o benefício foi conseguido, manutenção de todos os postos de trabalho por pelo menos 1 ano e enquanto durar o parcelamento do benefício.


Essas medidas austeras, que deveriam ser aplicadas às grandes empresas que aderem ao REFIS e outros benefícios fiscais, não são, já os micro e pequenos empresários, responsáveis por mais de 50% dos postos de trabalho do país, que na maioria dos casos têm renda inferior a renda dos funcionários de grandes empresas, esses acabaram de ter o seu tímido RELP, negado... HEEELP!


Esse artigo utilizou dados apurados pela Folha de S. Paulo e revista Exame, originalmente citados em conclusões publicadas no livro Pobreza à brasileira (2020).

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