Com 5,8% da população, São Paulo é responsável por até 13% das mortes no Brasil
Foi o que aconteceu na primeira semana de abril, quando a média nacional marcava 2744 mortes diárias, a cidade de São Paulo respondia sozinha por 365 óbitos.
A cidade de São Paulo é uma das cidades vulneráveis ao vírus, foi provavelmente a porta de entrada para os primeiros casos do vírus por conta de do turismo de negócios que se aproveita dos grandes aeroportos e pontes aéreas disponíveis na região, além de ter como características outros fatores gravíssimos para a pandemia, como a grande população e altíssima densidade demográfica.
Essas características tão graves para a pandemia, são características comuns dentre as grandes metrópoles mundo a fora, como, por exemplo, Wuhan, cidade que ficou mundialmente conhecida pelas suspeitas de que lá tenha sido o local do primeiro contágio do vírus entre humanos.
São Paulo x Wuhan
População:
Com populações muito próximas, vale ressaltar que a dimensão territorial de Wuhan é muito maior, tendo inclusive áreas Urbanas com densidade demográfica que chega a 20 mil pessoas por quilômetro quadrado (Km²) e uma média próxima da densidade de São Paulo de 7.242/Km². O que contrasta radicalmente com as áreas rurais da cidade, como o distrito de Hannan, com 400/Km².
Densidade demográfica:
Wuhan 1.400 / Km² | São Paulo 8.043/Km²
Apesar da grande vantagem demográfica de Wuhan, a resposta à crise foi extremamente rápida e rígida, impedindo que a pandemia dominasse o país.
Um hospital de campanha com mais de mil leitos foi construído para concentrar os casos mais graves e um lockdown rígido foi organizado, de modo que a união do governo nacional com o governo local, possibilitou o atendimento de todas as necessidades da população.
Resposta à crise:
Em Wuhan: O transporte público foi fechado, equipes de saúde visitavam pessoas com suspeita da doença, rastreavam as pessoas que tiveram contato com aquelas pessoas para testá-las e iniciar a observação clínica, o que garantiu rapidez no atendimento das pessoas que precisavam de atendimento médico.
O resultado foi notável. A pandemia da qual só se tornou conhecida do mundo em dezembro de 2019, em 19 de março de 2020 estava com a transmissão local do vírus zerada.
Em São Paulo a crise sanitária só foi percebida após o carnaval, já que a cidade, nesses mais de 2 meses desde a descoberta da pandemia, mal havia se preparado para testar a população, muito menos as pessoas que chegavam à cidade através dos voos internacionais.
Em 18 de março o prefeito de São Paulo, Bruno Covas, decretou o fechamento do comércio não essencial, medida que deve ter ajudado bastante a retardar a explosão da doença do brasil, já que os gráficos demonstram uma curva de contágio contida até maio de 2020.
Porém, pressionado pelos comerciantes e empresários que sentiram a piora na economia, principalmente pela lentidão do governo federal em resposta a crise econômica que inevitavelmente se instalaria, o prefeito da capital paulista cedeu e nunca mais decretou nenhuma medida restritiva relevante na cidade.
O resultado foi desastroso e o vírus se espalhou por todo o país, causando dezenas de milhares de mortes em uma onda que, apesar de ter ido do pico de 04 de junho, com 1.473 e média móvel de quase 1100 mortes até uma grande queda para média móvel de 323 mortes por dia em 11 de novembro, essa onda nuca acabou, emendando com a segunda e atual onda, que apresenta média diária acima de 2 mil casos desde 18 de março de 2021, com pico de 3.117 mortes diárias na média móvel em 1º de abril.
Paralelo nacional:
Se Wuhan parece um sonho distante, podemos citar alguns exemplos nacionais que conseguem de alguma forma, se não combater a pandemia, já que nenhuma cidade é uma ilha, ao menos conseguem controlar a pandemia e viver dentro de uma proporção de casos.
O prefeito, Alexandre Kalil, de Belo Horizonte, vem se destacando nessa pandemia por contrariar as orientações do governador de Minas Gerais, Romeu Zema, e decreta aberturas e fechamentos rígidos conforme o desenrolar da pandemia. Isso faz com que com 1,2% da população nacional, tenha 1,0% de mortes, abaixo da proporção, muito diferente de São Paulo, inclusive, na forma de acompanhar a crise, já que pelo que é possível apurar no portal de cada prefeitura, o boletim diário da prefeitura de Belo Horizonte é muito mais transparente, detalhando recortes como o de número de profissionais de saúde afetados pela pandemia separado por categoria, detalhamento da situação epidemiológica de cada bairro, volume de testagem etc. Parece que a prefeitura tem uma visão privilegiada.
Outro exemplo muito expressivo foi o prefeito de Araraquara, Edinho Silva, que assim que percebeu a cidade sendo afetada pela nova variante do vírus, a P1, não hesitou em decretar lockdown. A medida incluía o fechamento inclusive de postos de gasolina, supermercados e do transporte público por 10 dias.
O resultado foi que a pequena cidade conseguiu cortar boa parte da transmissão, passando de 190 novos casos diários, para apenas 52. Uma redução de quase 72,8% e chegou a ficar por mais de 48 horas sem nenhum óbito.
É preciso considerar que a cidade é bem menor e seu fechamento gera um impacto econômico proporcionalmente menor, mas ainda assim, a experiência serve para mostrar que em qualquer nível, o fechamento das cidades, o lockdown rígido é a medida mais efetiva para o controle da pandemia.
O espantalho maior:
Ao invés de bloquear a transmissão do vírus, a prefeitura se escondeu nas desculpas que se espalharam pelo debate público, em que teses afirmavam que sem a PM comandada pelo governador de São Paulo, ou sem o exército comandado pelo governo federal, ele não conseguiria fazer o fechamento da cidade e fiscalizar a restrição. Porém, o fato concreto é que nem as medidas ao alcance da prefeitura, como o fechamento de rodoviárias e proibição da circulação do transporte público e fechamento com fiscalização nos grandes centros comerciais da cidade, nada foi feito.
Ao invés disso, o Governo do Estado de São Paulo, junto à prefeitura da capital se especializou em outra prática que consiste em uma maquiagem dos números da pandemia. Tendo sido instituído o Plano São Paulo, com limites para funcionamento econômico baseado no percentual da ocupação dos leitos de UTI em algumas regiões do estado de São Paulo.
Em 23 de abril, o primeiro boletim diário da Covid-19 no município de São Paulo mostrava 563 leitos de UTI disponíveis exclusivos para o combate a pandemia, com 67% de ocupação, 377 pessoas. Hoje, praticamente 1 ano depois, o boletim de 21 de abril de 2021, aponta que a ocupação está em 81% de ocupação, uma pequena variação em relação ao percentual de abril de 2020. Porém, hoje há 1.414 leitos de UTI para o tratamento de COVID-19, o que resulta em 1.145 pessoas internadas em estado grave, 303% mais do que havia em abril do ano passado.
Esse comportamento foi descrito no editorial da Dossiê etc: "O espantalho maior"
Abertura de UTI: O placebo eleitoral
A princípio, esse crescimento do número de leitos em mais de 100% deveria ser um motivo de elogios, porém, isso representa apenas o aspecto político do tratamento que a Covid-19 tem recebido em São Paulo e no Brasil. Abrindo UTIs o governo e a prefeitura podem reduzir artificialmente o percentual de ocupação, mantendo a cidade e o estado abertos, em atendimento aos pedidos dos comerciantes e ignorando a gravidade das críticas.
Mas a realidade é que, conforme apurou a reportagem de Nathalia Passarinho para a BBC Brasil, 80% dos intubados por covid-19 morreram no Brasil em 2020.
A reportagem mostra que esse não é um uma particularidade da pandemia no Brasil, no mundo, em média, 50% das pessoas intubadas também vêm a óbito. Esse comprometimento grave das funções respiratórias é uma característica fundamental da doença e contra isso, ainda não há um protocolo eficaz, os médicos e a comunidade científica ainda têm dificuldades em identificar o que faz com que em algumas pessoas a doença seja tão agressiva, enquanto em outras passa assintomática.
"Os dados de morte por intubação em 2021 não estão consolidados, mas as informações disponíveis sobre morte hospitalar apontam para um aumento significativo da mortalidade"
Apontou Fernando Bozza, chefe do laboratório de pesquisa clínica em medicina intensiva do Instituto Evandro Chagas e responsável pela pesquisa. Para essa conclusão, foram analisados os dados de 254 mil internações.
Wuhan que escolheu uma estratégia mais racional de eliminação do vírus, ao invés de jogar com números que acenam para leigos, hoje tem vida normal, convívio social normal, passando meses sem internações e sem nenhuma morte por COVID-19.
Aqui o erro se entrega pelos números. Seguimos com picos de quase 4 mil mortes no Brasil, mais de 1.000 mortes só no estado de São Paulo e mais de 300 mortes só na cidade de São Paulo. Na China Inteira, em toda a pandemia, apenas 4.636 foram a óbito pela doença, sendo 4.512 concentradas na região onde Wuhan se encontra, a província de Hubei. Em Wuhan foram 3.869 óbitos durante toda a pandemia.
Esses dados evidenciam que a estratégia segue no caminho errado. O objetivo não deve ser expandir a rede hospitalar, mas sim restringir a circulação por um período prolongado até que a pandemia seja definitivamente contida.
Vacina X Fechamento da cidade (lockdown)
Mesmo com todos os esforços políticos voltados para o desenvolvimento, compra e fabricação de vacinas, a corrida pelo ingrediente principal, a matéria prima da vacina, o chamado IFA, faz com que esse recurso tão escasso demore a chegar e quando chega, infelizmente é em quantidades insuficientes para garantir uma segurança vacinal do Brasil.
Por isso, até alcançarmos os 80% de imunizados – um percentual que, segundo os cientistas, é capaz de frear a proliferação da doença – levará mais de um ano e no primeiro ano de pandemia, mais de 350 mil pessoas foram a óbito no Brasil, esse número pode dobrar, ou se continuar crescendo exponencialmente como vem crescendo desde janeiro, o número de pode ser até 3 vezes maior.
Com novas variantes se mostrando cada vez mais contaminantes e mortais como a variante brasileira P1, estudiosos do tema como o neurocientista Miguel Nicolelis e o microbiologista Atila Iamarino, há tempos alertam que um desastre acontecerá se o Brasil não sofrer um fechamento rígido, o temido lockdown. Miguel fala em 500 mil mortos até julho e Atila Iamarino já chegou a cravar um milhão mortos até o final da pandemia se medidas mais rígidas não forem adotadas.
Livre da COVID-19, a China espera um crescimento para 2021 na ordem de 8%, já o Brasil nada na lama, sem saber sequer quando conseguirá se livrar da pandemia. Na china precisaram de 76 dias de lockdown para controlar a pandemia, aqui a pandemia persiste há quase 400 dias, sem previsão para acabar.
Créditos:
Esse artigo utilizou dados, informações e imagens extraídas das seguintes fontes:
Johns Hopkins University
Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte e São Paulo;
Secretaria Estadual de Saúde do gov. do Estado de São Paulo
BBC News Brasil El país Brasil Rede Brasil Atual
Brasil de Fato Wikimedia Commons G1 São Carlos e Araraquara
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