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- Critica – Em Um Bairro de Nova York (Jon M. Chu, 2021)
Lin-Manuel Miranda e sua saga para conquistar o mundo com musicais O nome Lin-Manuel Miranda pode não ser familiar para você, mas isso é só questão de tempo, já que, depois de conquistar os palcos da Broadway, ele enfiou na cabeça a ideia de conquistar o público nos cinemas. O multifacetado Miranda é ator, diretor, produtor e roteirista, não só isso, é um fanático por musicais, seu primeiro passo foi estrelar a continuação de um clássico da Disney, O Retorno de Mary Poppins (Rob Marshall, 2018), mas foi no ano passado que seu nome explodiu com Hamilton (Thomas Kail, 2020) uma peça filmada que fez um sucesso de crítica e público, era tudo que Miranda precisava, já que Em Um Bairro de Nova York é adaptação de uma peça dele para a Broadway, o mesmo ainda dirigiu um filme chamado Tik, Tik ... Boom(Lin-Manuel Miranda, 2021) com previsão de estreia para outubro na Netflix, todos musicais. O musical In The Heights – nome original do filme – como mencionado acima, é adaptação de uma peça de mesmo nome para a Broadway que estreou originalmente nos palcos em 2007, de lá para cá conquistou público e muitos prêmios, o suficiente para que os magnatas de Hollywood comprassem os direitos e o transformassem em filme, esse dirigido por Jon M. Chu, diretor de Podres de Rico (2018). O filme se passa em Washington Heights, um distrito de Nova York, um lugar onde os latino-americanos dominaram. O protagonista é Usnavi (Anthony Ramos), um sonhador e amigo de todos no bairro, ele possui uma bodega – um daqueles mercadinhos de esquina aqui no Brasil – no decorrer do filme, somos apresentados aos amigos de Usnavi, todos sonhadores e com alguma ambição. Usnavi quer voltar para a República Dominicana, seu primo que trabalha na Bodega junto dele, quer ir para a faculdade em New York, sua amada Vanessa (Melissa Barrera), quer ser uma estilista e por aí seguem os sonhos dos sonhadores. Os mais afeiçoados a musicais sabem como funciona a fórmula, aos que não estão acostumados ou não gostam, precisam de certa paciência e empatia com o filme, os números musicais são longos e grandiosos – no quesito qualidade de produção – Chu, filma sua saga em locações reais, nas ruas exatas cantadas por seu elenco, mas isso falando das músicas, porque no demais, o filme aproveita muito bem o momento que os Estados Unidos estão, abraçando como nunca culturas estrangeiras. Os personagens são todos latino-americanos e o filme mostra com qualidade o cotidiano, o lugar que esses imigrantes criaram e vivem, a cultura, a língua, os figurinos e não espere por uma tragédia ou momentos ruins para com os personagens, esse não é o foco do filme. O roteiro de Quiara Alegría Hudes foca nas relações humanas e no amor entre Usnavi e Vanessa, na ambição de Sonny (Gregory Diaz), Benny (Corey Hawkins) e Nina (Ariana Greenblatt), tudo isso cantando e dançando. As músicas são boas, mas é uma sucessão de canções que, apesar de serem boas, não perduram, não marcam, as coreografias são lindas, o elenco segue a cartilha de atuações sem grandes momentos, se a Warner focar na campanha, o filme com certeza conseguirá indicações ao Globo de Ouro de melhor filme comédia ou musical e melhor ator para Anthony Ramos, já para o Oscar, a conversa é outra. Lin-Manuel Bandeira é um cara muito positivo e tem formado toda uma turma que pensa igual. Em Um Bairro de Nova York não aqueceu meu coração, não me fez cantar ou pular da cadeira enquanto o assistia, também não me fez criar qualquer tipo de laço com os personagens ou situações e não por falta de carisma ou empatia da minha parte, mas sim porque não tem para o que, ou, para quem torcer.
- Tanto espírito no feto e nenhum no marginal
Um olhar jurídico sobre o lastimável sistema carcerário nacional O publicado em 07 de junho na Folha de São Paulo - Quando humanos valem menos que animais -, escrito por Leonardo Biagioni de Lima, Mateus Oliveira Moro e Thiago de Luna Cury, retrata o problema grave de condições de higiene no sistema carcerário e a absoluta incompatibilidade dessa circunstância com a assepsia necessária para combater a pandemia da Covid-19: lavar as mãos com frequência, manter distanciamento social, utilização de máscaras enfim, essas regras que já estamos (ou deveríamos estar) habituados, uma vez que esta situação se arrasta há exatos um ano e três meses no Brasil. Certo, como exigir essas medidas todas em celas superlotadas, com minúsculas janelas que sequer passam o sol quadrado, o que dirá o vento fresco que possibilite a salubre troca de ar, “Na Penitenciária de Cerqueira César foram fornecidos 4,7 sabonetes por pessoa em 2019." Padecemos desse sério problema no sistema carcerário: a invisibilidade da população que lá se encontra, ou, melhor dizendo, do cidadão encarcerado. Porque sim, é um cidadão, é um ser humano, é uma pessoa em todos os sentidos do vocábulo, inclusive sob a ótica jurídica. A pessoa, ao cumprir pena, não é cerceada, ou não deveria ser, de nenhum outro direito que não a liberdade. Isso implica no dever do Estado (nas pessoas daqueles que trabalham diretamente com execução penal, como juiz, promotor entre outros) em agir positivamente pela manutenção da dignidade da pessoa humana de todos esses que estão em situação de cárcere e, por conseguinte, a permanência de todos os direitos que advém da dignidade humana. Entretanto, essa dignidade se encontra a anos luz de ser atingida em dentro do cárcere, afinal, a essas pessoas são proibidos direitos mínimos de manutenção da subsistência, o que dirá aquilo que os dignifica. E não se trata de uma circunstância excepcional nesta pandemia, trata-se de uma regra. Em vários presídios, a situação tende-se a agravar, principalmente, se voltarmos os olhos para os presídios femininos, onde, historicamente, as celas são feitas por homens e para atender as demandas básicas masculinas (deixando claro que, mesmo em presídios masculinos é gritante a animalização com que os detentos são tratados). Exemplo cru, grotesco, mas importante de ser mencionado é não haver absorvente nas celas dos presídios femininos e as mulheres em situação de cárcere utilizam-se de miolo de pão para conseguir passar por períodos menstruais. Para além disso, passam por absolutas torturas psicológicas e físicas (as parturientes dão à luz algemadas) ao experienciarem por alguma gestação dentro do sistema carcerário. Reitero, a pena, dentro de um Estado que se vislumbre democrático de direito, não ultrapassa a retirada do direito à liberdade. O direito à dignidade da pessoa humana (incluindo integridade física e moral), jamais poderia ser afetado. Isso, em se tratando de pessoas que já passaram pelo devido processo legal, direito à prova, direito à defesa e, mesmo com tudo isso e um julgamento justo, viram-se condenadas. Agora, o que dizer de uma gritante porcentagem que vê seus direitos sendo cerceados antes do término do julgamento: isso é, aqueles e aquelas que cumprem suas penas em prisão preventiva e, principalmente, em condições análogas aos porões dos navios negreiros. Ou, como sabiamente menciona o artigo que aqui referencio, “qualquer zoológico é mais digno que isso”. Agora, para muito além de uma questão humana, de valores morais de não ignorar a existência do outro, trata-se de uma postura utilitarista de não fechar os olhos para as mazelas do sistema carcerário, pois, ledo engano acreditar que nós, que estamos fora dele, não nos afetamos pelo que lá ocorre. Não se esqueça, dois infinitos ali se estreitam em um abraço insano, as pessoas que estão encarceradas vão voltar para a sociedade, voltarão a conviver entre nós. E como desejamos que voltem? Ou melhor, dentro de uma lógica onde se separa os delinquentes dos cidadãos de bem, o que queremos? Que elas voltem para agregar ou para transformar a sociedade em palco de violência, onde possam expurgar todo o horror que viveram dentro das celas? Ou, pensando em termos pandêmicos, para um sistema carcerário funcionar pessoas que não estão cumprindo pena e, precisam trabalhar para manter o sistema carcerário, necessitam entrar e conviver dentro dele. Com a impossibilidade de manter o básico da higiene, os trabalhadores e trabalhadoras, muito provavelmente, serão contaminadas pelo vírus medonho. E essas pessoas, por sua vez, se utilizam de transporte público, moram com suas famílias, convivem entre a “sociedade de bem”, aglomeram-se com suas motocicletas e, enfim, perpetuam a rede de contágio. Não é mais interessante que esse sistema carcerário tenha condições dignas? Alinhado a esse pensamento vemos algumas modificações extremamente positivas aos cidadãos encarcerados e a toda a sociedade: o tempo de pena está sendo descontado a partir de leituras e estudos dentro do sistema carcerário. O que, obviamente, estimula aqueles que querem se livrar das grades o quanto antes, a criarem um dos mais salubres hábitos: o da leitura. Ora, isso não é só benéfico aos que cumprem suas penas, mas a todos nós. São mentes que, uma vez estimuladas ao pensamento mais refinado, têm muito a contribuir para uma sociedade menos embrutecida. Por que não? Estamos sofrendo de fugas de cérebro, como disse a Folha, após a eleição do Bolsonaro. Ouso afirmar que, para esse país eleger uma figura daquela, os cérebros já haviam caído fora faz tempo, mas isso são outros quinhentos. O que importa é que, se as celas abrigarem mais inteligência, cultura e menos brutalidade, todos nós nos beneficiaremos. Ah, antes que perguntem se tenho pena de bandido, por que não trago para minha casa, por que não adoto um...entre outras coisas, respondo: não tenho pena nenhuma. Não se trata disso. A herança que recebemos da Revolução Francesa é que direitos naturais humanos são universais e, nada do que uma pessoa faça, nem mesmo o pior dos crimes, tira-lhe a condição de ser humano, portanto, digno de ser tratado como pessoa, não como lixo e nem como escória. Essa decisão não pertence a meia dúzia da esquerda festiva, trata-se de evolução, conquista histórica que separa o período das trevas, dos tempos iluministas. E, todos aqueles que militam, anseiam pela conquista de valores democráticos (voto, igualdade de gênero, respeito a direitos trabalhistas etc.), deveriam saber que é inerente à democracia, o direito dos que estão encarcerados. É preciso exigir o tratamento com humanidade de todo e qualquer cidadão, sem separar seres dignos de personalidade humana, e outros não. Essa é a grande conquista democrática! Trata-se de absoluta incoerência desejar outros benefícios da democracia, separando e excluindo alguns seres humanos. Por fim, aqueles que cometeram crimes, que sejam devidamente apenados com rigor, mas com dignidade. Será melhor para todos nós.
- Empreendedorismo é o nome da escravidão contemporânea
Cabe de tudo no "empreendedorismo", até a precarização do trabalho e da vida humana. Deixando a cargo do trabalhador a alimentação, água, equipamento de trabalho e EPIs, essas grandes empresas se equiparam a casos famosos de fazendas flagradas cometendo o crime de submeter o trabalhador à condição análoga a escrava, onde os trabalhadores precisam alugar foices, luvas, botas, capacetes e até a garrafa térmica para que levem água para a lavoura. É óbvio que esse editorial preferia tratar de coisas mais banais, podemos um dia falar de coisas menos polêmicas, como a mudança que o home office traz para o visual das pessoas. Infelizmente vai ficar para outro dia, hoje precisamos falar de “escravidão empreendedora”. No final de semana passado, as redes sociais borbulhavam com algo muito errado que estava acontecendo. Um vídeo em que um entregador, desses de aplicativos, era agredido com um “mata-leão”. O motivo? Havia uma fila de entregadores esperando pela sua vez de ALUGAREM uma bicicleta que usam para fazerem as entregas. Nesse momento, uma mulher que passeava com seu namorado e desejava alugar uma bicicleta, teve um desentendimento com os entregadores e procurou a polícia para que a POLÍCIA garantisse um aceso mais rápido às bicicletas. Pelo depoimento das testemunhas, o entregador que esperava por sua vez não concordou com aquela “solução militar” e acabou sendo agredido. Isso, definitivamente, resume o que aconteceu, mas isso, definitivamente, não informa o motivo dessa confusão ter começado. O motivo, esse editorial da Dossiê etc te explica agora. Acompanhe: A Escravidão contemporânea: Sim, parece um exagero dizer que em pleno século XXI, mais de 130 anos após o marco legal que proibiu a escravidão no Brasil, empresas mantenham essa prática escravagista tão abertamente, esfregando na cara da sociedade e das autoridades, com direito a propaganda de TV e palestras em grandes eventos. Entretanto temos uma quantidade enorme de documentação histórica sobre escravidão antiga, escravidão contemporânea e características fundamentais de trabalhos indignos, que não deveriam ser permitidas em uma sociedade, dita, civilizada. Essas características de trabalhos indignos, são características que geram inseguranças socioeconômicas e redução na renda da camada social que são mais cruciais para a normalidade econômica no Brasil, as classes média, média-baixa e baixa. Pessoas sem patrimônio cuja única forma de sobrevivência e geração de renda é o próprio trabalho. Quando esse trabalho é precarizado, a vida inteira dessa pessoa e da família pela qual ela é responsável, é condenada a precarização. A alimentação fica precária, a saúde, os estudos, o descanso. Tudo é precarizado junto com as relações de trabalho que sustentam financeiramente essa pessoa. A seguir essa perversidade será mais detalhada, e apesar de tão imoral e ilegal esses “novos” modelos econômicos têm sido, confortavelmente, enquadrados em um termo cheio de garbo e elegância, o “Empreendedorismo”. O problema nesse ponto, é que empreendedorismo é um termo muito amplo. Segundo o Monitor Global de Empreendedorismo (GEM), é considerado empreendedorismo “No conceito Monitor Global de Empreendedorismo (GEM), o empreendedorismo é qualquer tentativa de criação de um novo negócio, seja uma atividade autônoma e individual, uma nova empresa ou a expansão de um empreendimento existente” Definição de empreendedorismo pelo Monitor Global de Empreendedorismo (Versão brasileira por IBPQ/SEBRAE) Trocando em miúdos, são considerados igualmente empreendedores o acionista majoritário de um banco e o trabalhador doméstico sem carteira assinada. Com uma amplitude tão grande, existe espaço para considerar até o trabalho análogo ao escravo como uma espécie de empreendedorismo e, se tem espaço, se tem brecha, essas empresas forçam a barra mesmo e apostam na morosidade judiciária que, por motivos óbvios de segurança jurídica e direito à ampla defesa, leva um certo tempo para constatar tais infrações, mas tudo indica que os abusos dessas empresas podem estar próximos do fim. Empreendedorismo x Trabalho análogo ao trabalho escravo: Trabalho análogo ao trabalho escravo, ou condição análoga à de escravo, significa que embora o trabalho não se dê da forma clássica de escravidão, com correntes, sequestro e senzala (em alguns casos, sim), ainda assim, possui características semelhantes, como, por exemplo: jornadas exaustivas de trabalho, trabalhos repetitivos normalmente de grande desgaste físico, condições de trabalho insalubre, ausência de condições sanitárias para necessidades fisiológicas e para alimentação. A lista é longa, vai desde a manutenção forçada do trabalhador por meio de dívidas, descontos do salário para cobrar pela alimentação e pelo aluguel de ferramentas de trabalho, até a sub remuneração dos trabalhos realizados. Se analisarmos ponto a ponto, muitas dessas atividades, ditas, empreendedoras, são absolutamente compatíveis com o trabalho escravo contemporâneo. No caso dos entregadores, aqueles agredidos pela polícia por causa de uma fila de aluguel de bicicletas, podemos facilmente considerar que possuem jornada de trabalho exaustiva, já que uma pesquisa realizada pela Aliança Bike revelou que 54% dos entregadores de aplicativos trabalham por 10 horas diárias, cerca de 6 (24%) a 7 dias por semana (54%), algo que poderia, por alguns, ser reconhecida como uma rotina próxima da própria rotina profissional. Entretanto, há de se considerar a variável do esforço físico realizado, já que essa pesquisa se propõe a estudar apenas aqueles entregadores que entregam usando suas bicicletas para isso. É uma jornada exaustiva e fisicamente desgastante, pois, uma das principais características desse negócio é a remuneração por “produtividade”. Ou seja, não basta pedalar, há de pedalar rápido para dar tempo de pegar outros pedidos e, dessa forma, tentar atingir metas de bônus que fazem os 2, 3, 4, 5 reais recebidos por entrega, não parecerem um dinheiro tão pequeno. Nesse aspecto a tal atividade empreendedora ganha contornos de uma atividade sub remunerada e parecida com a que era oferecida para os “boias-frias”, que ganhavam por produtividade, mas muito pouco por essa produtividade, eram centavos por tonelada de cana cortada. Nos casos atuais são centavos por quilômetros rodados e, tal qual, na atividade de corte de cana, os acidentes de trabalho possuem uma recorrência enorme, principalmente devido a pressa com que realizam suas atividades para atingirem ganhos um pouco mais altos. De acordo com a mesma pesquisa, que possui o apoio do LABMOB/UFRJ e do Instituto Aromeiazero, a média de rendimento mensal desses profissionais, gira em torno de R$ 1.105,00, já considerando as caixinhas, incertas, pagas de acordo com o desejo dos clientes dos aplicativos e com os bônus, eventualmente recebidos pelos entregadores. Para fins de comparação, em 2018, ano em que a pesquisa foi feita, o salário-mínimo nacional era definido por R$ 954 e o SM no estado de São Paulo, local da coleta de dados para pesquisa, R$ 1.108. O valor que já é considerado baixíssimo por estar muito próximo do salário-mínimo constitucional, ainda precisa dar conta de, por exemplo, pagar pela alimentação do profissional que, carente de vínculo empregatício e contrato justo de trabalho, não recebe nenhum tipo de auxílio refeição/alimentação e possui estrutura sanitária precária por dispor de poucos ou nenhum local seguro e salubre para realizar suas refeições e necessidades fisiológicas. Ambas as condições muito semelhantes ao trabalho escravo contemporâneo em que os trabalhadores, geralmente do campo, mas também em indústrias urbanas como confecções clandestinas, precisam pagar pelas próprias refeições e enfrentam condições sanitárias insalubres, muitas vezes tendo de se alimentarem sentados no chão e sob a luz do sol. No caso dos entregadores ainda há o agravante de que nem água é fornecida pelos empregadores. Como não podem carregar marmitas, esses profissionais precisam pagar pela própria alimentação, uma vez que a grande maioria mora longe dos locais que possuem demanda nos aplicativos. Gastando no mínimo R$ 10,00 de alimentação por dia, é necessário que esses profissionais gastem no mínimo R$ 250,00 por mês, para uma refeição simples e, talvez, insuficiente para sua jornada. Em uma situação de alimentação fora de casa, talvez seja necessário o dobro desse valor para que esses profissionais possam compensar o grande gasto energético que a atividade exige. Voltando ao fato motivador desse editorial existir, os entregadores só estavam em uma longa e demorada fila para alugar bicicletas porque as empresas/aplicativos, em outra atitude bem semelhante ao trabalho escravo contemporâneo, também não fornecem as ferramentas de trabalho e tampouco os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs). Deixando a cargo dos entregadores a aquisição e manutenção das bicicletas, dos celulares (inclusive os planos de internet), dos uniformes, EPIs e, pasme, até daquelas mochilas enormes – sai por aproximadamente R$ 90,00 cada – com o nome das empresas estampadas nelas. Do essencial ao trivial, todos os riscos físicos, sanitários e econômicos são depositados sobre as costas dos entregadores, tal qual é feito com os trabalhadores encontrados em condições análogas à escravidão. Considerando todos os custos essencialmente necessários para a prática das entregas, incluindo a alimentação dos entregadores, essas 60 horas de trabalho semanal, estão rendendo a esses profissionais pouco mais da metade de um salário-mínimo, mas isso sem considerar a ausência de outros direitos fundamentais como folga/férias remuneradas, fundo de garantia, seguro-desemprego, contribuição previdenciária etc. Todos esses números na ponta do lápis jogam os entregadores em uma condição de trabalhador explorado, com uma remuneração líquida que vai de R$ 300 a R$ 500 por mês. Muitos defendem, por exemplo, que essa é uma nova tendência, um novo modelo de relação de trabalho, porém, estão completamente errados. É necessário chamar as coisas pelo nome que têm. Esses aplicativos não inventaram uma nova forma de trabalho, ou de relação de trabalho. Muito pelo contrário. A ausência de formalização das relações de trabalho possui previsões legais e são enquadradas em situações que vão desde a fraude trabalhista, até aquelas situações que podem ser interpretadas como trabalho escravo contemporâneo. Essas empresas não estão agindo no vácuo de regramentos, essas empresas estão subvertendo os ordenamentos jurídicos constitucionais do Brasil e de diversos outros países pelo mundo, como tem ficado demonstrado com cortes do mundo todo passando a, cada vez mais, reconhecer vínculos empregatícios com os funcionários, entregadores e motoristas e com as legislações que também têm agido no sentido de obrigar essas empresas a se responsabilizarem minimamente sobre essa mão de obra, decisão que já ocorreu em Londres e São Francisco. Outro ponto curioso é que não se trata de um modelo estruturado de remuneração por mérito/produtividade, pelo contrário. Há um recorte social muito evidente, com maioria branca de maior escolaridade trabalhando nos escritórios dessas empresas, gozando de remunerações dignas e fixas, mensais, com direito a benefícios trabalhistas como folgas/férias remuneradas e valores relevantes para se alimentarem; já na rua estão os negros (71%) com baixa escolaridade e sem experiência profissional. Algo que pode ser enquadrado como discriminação social e, no limite da interpretação, como racismo institucional. Não pela maioria étnica presente em cada uma das funções existentes na empresa, ou pela diferença salarial, mas, evidentemente, pela discriminação jurídica, discriminação legal, garantindo os direitos trabalhistas daqueles bem nascidos, já agraciados por privilégios inatos, enquanto negam esses mesmos direitos, os trabalhistas, àqueles que essas empresas, cinicamente, chamam de “empreendedores parceiros”. Por que a política de remuneração por produtividade, a remuneração mais indigna e a relação de trabalho mais precária estão reservadas apenas aos trabalhadores mais essenciais e humildes dessa cadeia? Se é uma política de remuneração da empresa, então porque os brancos do ar-condicionado têm direito a salários poupudos e valores fixos mensais? Com o recorte socioeconômico mais frágil sendo atacado e os mais bem nascidos sendo poupados dessa exploração, as empresas se protegem daqueles que teriam mais condições financeiras de buscar aconselhamento e reparação jurídica. Esse comportamento discriminatório além de imoral e potencialmente ilegal, é, também, um comportamento covarde que viola os direitos mais básicos do cidadão. O direito à uma vida digna e segura, esse comportamento viola os direitos humanos. Escravização por necessidade: Esse é um tipo delicado de análise, pois compara um modelo de negócio que carrega consigo um enorme poder econômico viabilizado por seus investidores, a um modelo produtivo proibido e criminalizado no Brasil desde 1.888, mas esse tipo de debate precisa ser construído, porque um modelo de negócio que não trás segurança econômica para todas as partes envolvidas, não deveria ser tolerada e muito menos incentivado. Tecnicamente, segundo a metodologia do GEM, empreendedorismo também pode ser dividido em duas categorias relacionadas ao motivo da ação empreendedora: Necessidade e Oportunidade. A escravização clássica, o sequestro de negros e índios para fins de trabalho forçado não se enquadra em nenhuma dessas, era o puro e simples uso da força como meio para escravizar pessoas que nasceram livres. Já na escravidão contemporânea, essa enquadrada como “empreendedorismo” ou aquela escravidão contemporânea do campo e das confecções clandestinas, estão apoiadas no pilar da necessidade, ou seja, se aproveitando de situações de depressões econômicas e o excesso de mão de obra disponível, devido ao desemprego, oferecem condições de trabalho desgastantes em troca de remunerações imorais e ilegais. É complicado tentar entender como essas empresas interpretam a constituição, mas, independentemente da situação financeira do trabalhador, ele ainda assim está amparado e respaldado por todos os artigos previstos na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e em relação a isso não deveria haver espaço para interpretações abstratas. Claro que, enquanto houver pobreza, sempre haverá empresas tentando se aproveitar disso, mas cabe ao aparato judiciário nacional, defender o interesse público e o direito dessas populações mais vulneráveis. Autonomia: O limite entre o empreendedorismo e a escravização por necessidade. Um dos argumentos mais utilizados por quem defende esse modelo comercial de precarização e escravização por necessidades, alegando que, embora não da melhor maneira, essas pessoas ainda possuem alguma renda e que sem essa “oportunidade” a situação financeira dessas pessoas seria muito pior, mas isso é uma inverdade. A existência de aplicativos que têm como fonte principal de ganhos a precarização das condições de trabalho pode até ser uma novidade, mas a informalidade não. Para os que estiveram à margem do mercado de trabalho sempre houve o comércio ambulante, o mercado de representação e revenda, serviços domésticos por diária, reciclagem, costura, prestação de serviços diversos etc. Ou seja, não fosse a entrega, essas pessoas recorreriam a outras atividades empreendedoras/precárias como sempre aconteceu. A diferença fundamental entre todas essas atividades, velhas conhecidas da sociedade brasileira e essa novidade dos aplicativos é a autonomia. Se você escolher qualquer uma dessas atividades precárias, fruto do empreendedorismo por necessidade, você poderá praticar o seu preço. Na informalidade, preço menos custo é igual “lucro”. Você define o preço que te atende. Nesses modelos mais antigos, quando você prospera e monta uma loja, um ponto comercial, formaliza as operações, consegue muitos clientes, cria uma marca... você colhe os frutos disso, assim como, infelizmente, nos meses ruins, na ausência de clientes, você perde. No caso dos aplicativos os trabalhadores ficam sensíveis às variações de mercado e são penalizados por uma eventual ineficiência da empresa em conseguir demanda para eles. Porém, não são recompensados no sucesso da empresa, não recebem participação nos lucros, não recebem ações das empresas, não recebem 13º... nada. E caracterizando a completa subordinação a esses aplicativos, ficam vulneráveis aos algoritmos dos aplicativos que podem boicotar os entregadores, enviando menos entregas, chegando ao extremo de bloquear o entregador, por critérios próprios, sem aviso prévio, nem indenização. Deixando o trabalhador com todo o ônus de eventuais investimentos que ele tenha feito, como as parcelas restantes da bicicleta, do celular, EPIs e o custo da mochila. Ainda pelo olhar da autonomia, os vendedores ambulantes, citados anteriormente, podem escolher quais produtos vender. Se ele não concorda com as condutas ou a qualidade de um determinado produto, como um chocolate, ele pode optar por vender outras coisas como água, refrescos, frutas, capinhas de celular, roupas etc. Os entregadores não têm esse direito, precisam atender a qualquer chamado sob a ameaça explícita de penalização na forma de bloqueio de novas chamadas. Em ambos os casos, sempre haverá uma indústria por trás, uma potência econômica, uma indústria que forneça desde insumos básicos e matéria prima para produção, até indústrias que processem e embalem os produtos que serão comercializados. Porém, nenhuma dessas empresas está se aproveitando diretamente pela precarização econômica dessas pessoas. Não é um canal de vendas fundamental. Ainda que não existissem pessoas em dificuldades econômicas para venderem seus produtos em condições precárias, haveria estabelecimentos formais disponíveis para levar esses produtos ao consumidor final; diferentemente desses aplicativos, cuja mão-de-obra precarizada não é uma das opções de entrega, mas sim a única opção de entrega. Estressando ainda mais esse exemplo comparativo, se amanhã houver uma renda básica universal, um valor social que garanta as necessidades básicas de todos os cidadãos, boa parte das formas de empreendedorismo precário continuariam existindo, talvez de uma maneira mais formal e todas as indústrias que fornecem insumos e produtos, continuariam fornecendo para essas empresas mais formais. Algo difícil de imaginar acontecendo com esses aplicativos, extremamente malvistos e mal avaliados pelos trabalhadores mais importantes de sua estrutura, os entregadores. A escravização por necessidade é uma realidade e atinge desde os profissionais dos aplicativos, passando pelos trabalhadores domésticos informais – que também passaram a ter suas atividades exploradas por aplicativos – e chegando aos extremos da exploração da prostituição. Não dá para sorrirmos de olhos fechados e chamarmos a precarização da vida humana e o roubo dos direitos consolidados, de empreendedorismo. A obscenidade do comportamento dessas empresas pode ser constatada com um simples exercício de comparação. Por exemplo: Imagine pedreiros de grandes empreiteiras tendo de alugar seus martelos, ou carteiros/entregadores de empresas como Correios e Fedex enfrentando filas de locadoras de veículos para fazerem as entregas; imagine policiais que aluguem suas armas e não tenham salário fixo, dependam de apreensões para receberem seus salários, ou, funcionários de restaurantes que não tenham VA/VR e tenham que pagar pela própria alimentação. Não há paralelo saudável possível. Ninguém que tivesse opções, escolheria trabalhar nessas condições A Dossiê etc tem como um de seus objetivos declarados, denunciar e combater a precarização das relações de trabalho e para isso estaremos dispostos para, além desse editorial, promovermos debates entre especialistas sobre o tema e os representantes dessas empresas que topem defender seus pontos em conversas francas e debates abertos. Mas não nos calaremos, iremos até o limite constitucional da nossa liberdade de expressão para denunciar práticas abusivas de todas as naturezas. Mudanças Urgentes: Uniformização das políticas de remuneração das empresas Pagamento de salários fixos para os entregadores Fornecimento de VA/VR para os profissionais Fornecimento de todos os equipamentos de trabalho (inclusive a bicicleta) Subsídio de planos de internet móvel para os entregadores Reconhecimento de vínculo empregatício e direitos previdenciários
- ESPECIAL: Telas BR - Um vício chamado Reality Show
O Brasil tá lascado! TELAS BR é uma série especial de publicações da Dossiê etc, escrita por Cleber Eldridge, sobre o mundo audiovisual brasileiro, de 1990 a 2021; Capítulo 01: Telas BR: Panorama do cinema brasileiro - Parte 01 (anos 90 e 2000) Capítulo 02: Telas BR: Panorama do Cinema Nacional – parte 02 (anos 2010) Capítulo 03: Telas BR: A Indústria Noveleira Nacional – (anos 90, 00 e 2010) O que define um Reality show, telerrealidade ou reality television, chame como quiser? Os “realitys” são programas de televisão que tem como princípio mostrar a realidade com pessoas reais e em tempo real, especialmente quando essas pessoas tem personalidade forte, aquelas que causam polêmicas, tumultos e afins, quase nenhum dos programas que assistimos nas últimas duas décadas – o primeiro reality no Brasil foi ao ar no ano 2000 – é original, a grande maioria é uma “cópia” de outros programas já consagrados em outros países, mas embarque comigo na breve história dos programas que marcaram nossa história televisiva. Os pioneiros O primeiro reality foi ao ar no ano 2000 na já extinta MTV Brasil, o programa se chamava 20 e Poucos Anos, que não fez muito sucesso, mas que abriu caminhos para tornar esse tipo de programa solido em todas as outras emissoras. No mesmo ano a Globo estreava No Limite, que atualmente está no ar com ex-participantes do BBB – já falamos sobre ele – já na Band, estreava Território Livre ambos eram copias do premiado reality americano Survivor. Os sucessos e a consolidação do formato: O Big Brother Brasil (2002 - presente) continua como o maior sucesso da televisão aberta, tanto quanto em audiência, quanto em repercussão nas redes sociais. O programa chegou à sua 21ª edição e continua um sucesso e não é pra menos, o púbico brasileiro se acostumou a, todo início de ano, acompanhar uma nova edição. Na edição do ano 2020, os produtores decidiram colocar pessoas “populares” no meio dos participantes e acabou que funcionou, a edição conseguiu bater o recorde de votos e até entrou para o livro dos recordes. A edição de 2021 fez ainda mais sucesso e apesar de não ter tido a mesma quantidade de votos em uma noite de eliminação, foi de uma repercussão absurda. Em meados de março e abril só se falava em Big Brother, em quem seria eliminado, nas falas dos famosos convidados para a edição, de preconceito, de cancelamento e afins, os indicies de audiências foram gritantes e pra surpresa de absolutamente ninguém, o programa foi renovado para mais uma edição em 2022 e nós brasileiros estamos como? Ansiosos! Se o BBB é um sucesso entre o público de todas as idades e realidades, A Fazenda (2009 – presente) tem uma audiência mais fiel. O que estou querendo dizer é que, definitivamente não é todo mundo que assiste a disputa dos chamados fazendeiros, até porque eu sinceramente não entendo o conceito de dar dinheiro pra quem já tem dinheiro, o programa é basicamente colocar pessoas “famosas” – algumas delas eu nunca ouvi falar – dentro de uma fazenda e cumprir com algumas tarefas, a principal delas é alimentar os animais que ali ficam, mas o foco mesmo do programa é causar polêmicas, quem nunca ouviu falar dos barracos, brigas, tretas e afins, como eu não assisto não sei falar sobre (mas todo mundo sabe que tem). Muito antes disso, Silvio Santos apresentava A Casa dos Artistas (2001 – 2004), e o nome já diz tudo, era uma casa onde artistas eram convidados a ficar confinados e lidarem uns com os outros, o sucesso foi tanto que o programa conseguia mais audiência que o Fantástico, da Globo. Os produtores entenderam o que fazia sucesso e então pensaram em fórmulas parecidas com as que já eram sucesso. O Power Couple (2016 – presente) fez parecido, colocou vários casais “famosos” dentro de uma casa, não precisa pensar muito pra saber o que acontecia já o De Férias com o Ex (2016 – presente), mandava ex-namorados para uma mansão na praia, o circo estava armado e a audiência, adora. Outros formatos Os combates diretos também tinham seu público, isso em diversas áreas, gastronomia, moda, esporte e tantos outros. Master Chef (2014 – presente) foi o primeiro reality gastronômico ou culinário do país, fez, e faz, muito sucesso. A competição entre estudantes de gastronomia tem um público muito fiel e não surpreende porque é, acima de tudo, um programa muito divertido, o sucesso foi tanto que a Globo, que ainda não tinha um programa de competição culinária – na verdade até tinha um quadro dentro do Mais Você, com Ana Maria Braga, o Jogo de Panelas (2012 – presente) mas ... – resolveu desenvolver o seu próprio programa, o Mestres do Sabor (2019 – presente) que é mais do mesmo e sem o carisma dos jurados do Master Chef; o SBT também embarcou sem sucesso com o Bake Off Brasil (2016 – presente), que segue a mesma cartilha só que para confeiteiros. O programa Project Runway (Lifetime, Bravo) um reality americano que coloca designers de moda em uma competição – muito bom, diga-se de passagem – também foi copiado aqui no Brasil, chamado Projeto Fashion (2011), não deu em nada, foi cancelado depois de uma única temporada, já na Record Top Model (2012) que mostrava a rotina das top models também não fez sucesso e teve o mesmo destino de Projeto Fashion, já no SBT o Esquadrão da Moda (2009 – presente),foi mais feliz, fez um certo sucesso com quem é mais fiel ao canal, porque cá entre nós, o programa é terrível muito por causa dos apresentadores. O cotidiano da polícia também teve espaço com o Policia 24hrs (2010 – presente) que mostrava a polícia nas ruas, as abordagens, mas não mostrava o quanto ela é violenta. O programa tem seu público, mas não é grande coisa. A Band também conquistou seu público com O Aprendiz (2019 – presente) um reality que mostra aspirantes a empreendedores e executivos que realizam as mais diversas provas entre um escracho e outro que recebem do apresentador, Roberto Justus. Os realities musicais também fizeram e fazem muito sucesso. Quem não se lembra de Fama (2002) ou Ídolos (2006 – 2013), ambos com o mesmo formato, só mudou o nome, era um programa de calouros que colocava jovens talentos em frente a uma bancada de júris e treinadores que os apoiavam na preparação das apresentações que definiam quem seria o eliminado da semana. O sucesso da vez é o The Voice (2012 – presente), a única diferença aqui é que os jurados ficam com cadeiras viradas, o melhor desses realities era o Super Star (2014 – 2016), com uma dinâmica mais interativa e votação por aplicativo em que o público escolhia os vencedores, não os jurados, mas a Globo, infelizmente, resolveu não renovar. São tantos os programas com seu público que eu poderia ficar aqui por horas a fio, tem quem goste e um estilo, tem que diga que nunca assistiu nenhum episódio do Big Brother Brasil, tem quem diga que quem gosta de reality show é desocupado, tem quem seja viciado e ame, tem gosto pra tudo e como eu costumo dizer, tá tudo certo, cada uma na sua televisão assiste o que quiser e quando quiser. Agora me diga, qual seu reality favorito?
- LISTA: 5 Filmes Sobre a Luta Contra AIDS e HIV
O vírus da Covid-19 está entre nós, mas o HIV e a AIDS também e a melhor forma de se proteger todos os vírus, é se prevenindo. O mês do orgulho LGBTQIA+ no Brasil é em junho, mês que acontece a Parada do Orgulho LGBTQIA+ na Avenida Paulista e reúne milhares de pessoas, se você nunca foi, lhe aconselho veementemente que vá em 2022, quando todos já estivermos vacinados, é muito divertido. Tem atrações para todos os gostos, as pessoas têm uma energia muito para cima e é também a chance de aprender alguma coisa, porque sim, algumas pessoas precisam aprender muita coisa e nós, não temos obrigação nenhuma de ensinar nada, porque respeito a gente trás de casa. Em homenagem à parada de 2021, cujo tema é a incansável luta contra a AIDS e HIV, "AME+ / CUIDE + / VIVA +", nós separamos cinco filmaços sobre o assunto, sobre a luta. 5. Filadélfia (Jonathan Demme, 1993) O primeiro Oscar de Tom Hanks foi interpretando Andrew Beckett que, do dia para a noite, descobre estar infectado com o vírus HIV, é então que sua vida se transforma, ele é demitido do emprego, sofre preconceito por conta de sua aparência frágil, até que ele decide lutar contra o sistema e contrata um advogado afro-americano e homofóbico, uma combinação pouco provável, mas se tratando de um filme Hollywoodiano... Onde assistir: Google Play Filmes 4. Preciosa (Lee Daniels, 2009) Preciosa apareceu na lista de filmes sobre diferentes tipos de mães, mas eu simplesmente não poderia deixar essa preciosidade – com o perdão do trocadilho – fora dessa lista, como mencionei anteriormente, o filme conta a história de Claireece (Gabourey Sidibe), uma adolescente, portadora do vírus HIV, afro-americana, pobre, com uma filha com síndrome de down, uma mãe abusiva e um pai estuprador, como você já percebeu é um filme pesado e precisa ter estômago para assistir. Onde assistir: Amazon Prime Vídeo 3. Clube de Compras Dallas (Jean-Marc Vallée, 2013) O filme mais premiado da lista, vencedor de três Oscars, incluindo melhor ator (Matthew McConaughey), melhor ator coadjuvante (Jared Leto) e melhor maquiagem, o filme conta a história real de Ron Woodroof, um cara qualquer, branco, heterossexual e que só queria saber de beber e transar, até que ele descobre ser portador do vírus HIV. Começa então uma incansável batalha com a negligente indústria farmacêutica e a busca por medicamentos alternativos que não são autorizados pelo governo. Onde assistir: Claro Vídeo 2. KIDS (Larry Clark, 1995) O fotografo Larry Clark vez ou outra se arrisca no cinema, em todos os seus filmes ele retrata a juventude em suas diversas fases, em KIDS não é diferente, mas é mais brutal. Clark conta a história de um grupo de adolescentes que passam os dias fazendo absolutamente nada, ao menos é o que parece, a garotada fica para lá e para cá nas ruas de Nova York. Bebidas, cigarros, festas e sexo, muito sexo sem proteção, é um retrato cruel da juventude nos anos 90 e se você gosta de filmes chocantes, esse é o seu filme. Onde assistir: Não localizado 1. 120 Batimentos por Minuto (Robin Campillo, 2017) O filme mais importante dos últimos anos, vencedor do Jury Prize em Cannes, o filme gira em torno de um grupo de pessoas infectadas com o vírus HIV, esse grupo se reúne semanalmente para ‘conversar’ sobre o assunto, falar sobre os remédios que surgem, debater sobre possíveis protestos, o Act Up e por aí vai. O filme é gigante e não estou falando em duração, é um filme importante, que deveria ser exibido em escolas públicas para que só assim, os mais jovens entendam como lidar e como evitar o vírus. Onde assistir: Globo Play
- Quem esperou grandeza de Tite, esqueceu 2016.
Tite prioriza suas ambições, mas isso não é novidade Nessa coluna não vou falar mal do Tite, pois falar mal seria como ressaltar características negativas desse profissional que eu tanto admiro. Esse texto vai é versar sobre uma característica que o Tite não possui: Grandeza política e espírito público. Nos últimos dias Tite gerou um grande debate nacional: “Será que a seleção boicotaria a copa América?” A copa América, organizada pela Confederação Sul-Americana de Futebol (CONMEBOL), originalmente estava prevista para acontecer na Colômbia, porém, o país está passando por uma crise política gravíssima com protestos diários e repressão violenta por parte das forças militares. Nesse caso, a segunda opção seria a Argentina, um país arrasado pelas políticas econômicas liberais de Maurício Macri, teria uma oportunidade de dar um pequeno gás na sua economia, porém, apesar das possíveis vantagens econômicas, o evento esportivo levaria um risco desnecessário para agravar a situação da pandemia do país. Com a competição rejeitada por dois países preocupados com suas respectivas situações sociais e sanitárias, restou à CONMEBOL procurar por um país com um governo irresponsável e despreocupado com a pandemia. O governo federal prontamente aceitou, mesmo governando o país com uma das piores condições pandêmicas atuais. Após alguns dias de especulação e fuga do treinador, sempre que perguntado sobre seu posicionamento e o posicionamento de seus atletas sobre a polêmica competição, veio à tona o que qualquer um que acompanhe a carreira do treinador já esperava. Os atletas assinaram uma carta dizendo que reprovavam a realização da competição nesse momento, mas sequer se deram o trabalho de elencar os motivos pelos quais discordam da realização da competição. Essa resposta pôs fim ao surreal otimismo daqueles que acreditavam que um ato de grandeza viria de profissionais que dependem da seleção para se projetarem no cenário internacional e de um treinador que nunca fez questão de ser grande cidadão, ou um cidadão politizado, apenas um excelente profissional. Observe: “...Tite, é um exemplo de profissionalismo, dedicação, ética (profissional), persistência, motivação, honra, honestidade e caráter. Um homem inteligentíssimo que comprovou que é possível vencer mantendo todos esses valores em um trabalho muito transparente... ...PERDEU A CHANCE DE ENTRAR PARA A HISTÓRIA: Nos últimos dias após o vexame da seleção brasileira na Copa América, Tite viu a CBF rastejar aos seus pés, pedindo “pelo amor de Deus” que ele aceitasse logo esse cargo de técnico... ...Foi aí que o Tite errou. Era a hora do Tite vir a público e fazer exigências gritantes, era a hora do Tite dar as cartas, jogar a mídia e a população contra os cartolas que estão ano após ano acabando com o nosso futebol. Tite deveria ter feito exigências públicas como, por exemplo, exigir a mudança do estatuto da CBF com a inclusão de eleição de voto simples e direto, dando direito a votos para todos os clubes até a 4ª divisão; exigir que a CBF aumentasse o investimento nas divisões mais baixas do futebol brasileiro e das categorias de base. Assim teríamos uma safra melhor de talentos no futuro e reduziria a desigualdade nos salários dos atletas; deveria exigir um calendário mais profissional e ativo para clubes de todas as divisões do futebol. Fazendo com que 90% dos atletas tivesse emprego por 12 meses e não apenas 4 meses por ano; Tinha que ter exigido investimento no futebol feminino; Exigido uma gestão mais transparente e democrática; Exigido teto de ganhos para os cartolas; Exigido que a CBF criasse contrapartidas sociais; Exigido mais transparência na negociação com as emissoras de TV; Enfim, deveria ter exigido que a CBF se tornasse uma instituição de respeito, uma instituição limpa e honrada... Mas o Tite perdeu a chance de entrar para a história. Será "apenas" um dos melhores profissionais que já passaram pela CBF e, tomara que traga alguns títulos pelo menos como prêmio de consolação para os Brasileiros que perderam mais uma chance de ver a CBF ser passada a limpo. Sucesso Tite, porque VOCÊ merece, a CBF não!” O texto reproduzido acima "Tite perdeu a chance de entrar para os livros de história do futuro" foi escrito por mim, há 5 anos. Naquela ocasião Tite deixava sua campanha vitoriosa no Corinthians e se entregou para seu sonho, treinar a seleção brasileira em busca daquele que parece ser o título mais importante para qualquer treinador, a taça do mundo. Até aí tudo bem, não há nada mais natural para um treinador com uma trajetória tão vencedora, almejar uma posição de destaque no futebol nacional e mundial. Porém, o contexto daquele momento tinha uma investigação do FBI prendendo cartolas do futebol internacional, dentre eles os ex-presidentes da CBF, Ricardo Teixeira e José Maria Marin, detidos em uma operação do FBI que também indiciou o então presidente da entidade, Marco Polo Del Nero, levando a CBF ao vexame de não ter seu presidente acompanhando a delegação em jogos oficiais, pois, em países com acordo de extradição para os EUA, ele corria o risco de ser preso, tal qual os outros dois cartolas. Na mídia especializada e até nos folhetins de maior audiência do Brasil, como o Jornal Nacional, as críticas eram constantes e as notícias de escândalos diárias. Todos os comentaristas e jornalistas que cobrem o esporte, criticavam o obscurantismo que envolvia toda a falta de transparência da polêmica entidade que, apesar de vastamente investigada por órgãos internacionais, consegue se manter blindada no Brasil. Outras críticas que a entidade recebia à época também diziam respeito a falta de incentivo para clubes menores, incentivos esses que, caso fosse destinado ao fomento da prática esportiva no país, poderia, por exemplo, ter evitado a tragédia envolvendo a Chapecoense, um clube brasileiro que para conseguir competir em uma competição internacional, precisou, por falta de apoio financeiro e logístico da CBF, recorrer à contratação de empresas em condições precárias para transportar o time. Transporte esse que não significaria nenhum custo relevante para a entidade mor e mais lucrativa do futebol brasileiro, mas que ao time do Chapecoense custou muito caro, lhes custou a vida. No dia 23 de fevereiro de 2016, apenas 4 meses antes de Tite ser convidado por Del Nero a comandar a seleção, a própria CBF divulgou um estudo chamado “Raio-X: Salário dos jogadores” mostrando que 82% dos jogadores profissionais do Brasil ganhavam menos de R$ 1.000 por mês. Muito disso devido à falta de incentivo a competições para os pequenos times, que sem ter pelo que competir, dispensam seus jogadores logo após o fim dos campeonatos locais, que costumam não durar mais do que 4 meses. Nos outros 8 meses, sem incentivo, sem apoio, sem investimento da CBF, os clubes não têm o que fazer a não ser deixar os jogadores à própria sorte. Mesmo com tudo isso, Tite topou o convite sem nenhuma exigência reformista. A contratação de Tite foi o pão e circo que a CBF precisava para fazer a imprensa e os torcedores esquecerem todos os desmandos da entidade. O texto que eu postei é de junho de 2016, mas continua atual. Tite é um grande profissional, talvez o melhor em atividade no futebol até hoje, mas não é afeito por gestos de grandeza. Em 2016 perdeu a chance de passar a CBF a limpo, em 2021 perdeu a chance de prestar uma grande homenagem às famílias dos mais de 480 mil mortos. Até agora uma marca de cartões de crédito e duas empresas de bebida já retiraram o patrocínio que destinariam à competição, mostrando uma vontade de acertar com a sociedade, muito maior do que a de Tite e seus atletas que apesar da má fama que receberão, ainda ganharão muito dinheiro para limpar suas consciências. Para evitar frustrações, do Tite podemos esperar no máximo alguns títulos. Mas gestos de grandeza com atitudes em prol de desconhecidos que eventualmente prejudique suas ambições, isso não devemos esperar. Tite já deixou claro que a prioridade é a carreira dele, cada um que lute pela própria sorte, ou pela própria vida: “– Não sou hipócrita, não sou alienado e sei que as coisas acontecem. Mas sei dar prioridade. Prioridade é meu trabalho e a dignidade do meu trabalho.” Ou como dizia na carta de repúdio dos atletas. “... lembramos que somos trabalhadores, profissionais do futebol. Temos uma missão a cumprir com a histórica camisa verde amarela pentacampeã do mundo. Somos contra a organização da Copa América, mas nunca diremos não à Seleção Brasileira.” As palavras estão aí, cada um que interprete como quiser, mas eu achei a cara do Tite. A impressão é que o importante para ele é tentar ganhar mais um título e que a vida de milhares de brasileiros é menos importante, ou simplesmente, não é problema dele e de sua equipe. Vale ressaltar que o gesto, aparentemente, egoísta do treinador da seleção, não zela apenas pelos interesses dele, mas também pelos de seu filho, que sem nenhuma conquista significativa no currículo, foi preferido e ocupou cargos de prestígio no Corinthians e, sob as asas do pai, hoje é o número 2 da comissão técnica da CBF, auxiliar do pai. Nepotismo? Talvez apenas coerência dos atos de quem acha que o importante é colocar os próprios interesses a frente da sociedade. Tite perde, dessa forma, a segunda chance de entrar para os livros de história do futuro, não como apenas mais um treinador que fez uma carreira vitoriosa. Poderia ser lembrado como o cara que mudou o esporte para melhor, que desafiou os poderosos, que prejudicou sua carreira na CBF para fazer o que era certo. Talvez em breve Tite consiga o tão sonhado título mundial — se não for traído, pela entidade que ele tanto defende, e demitido antes disso — vai depender do resultado da Copa América, das forças políticas e da sua capacidade de se manter de joelhos para as vontades da CBF. Para os amantes de grandes frases do futebol, parafraseio Vicente Matheus: “haja o que hajar” Tite deve sair da Copa América menor do que entrou. Mesmo que as grandes chances de título se confirmem. Escolhas.
- Critica - POSE (Ryan Murphy, 2018 - 2021)
"Live, Werk ... P O S E" O mês de junho é anualmente conhecido como “mês do orgulho LGBTQI+” – esse ano, assim como em 2020, não tivemos a Parada de Orgulho LGBTQ, ao menos, não de forma presencial, mas o evento aconteceu de forma virtual e reuniu milhões de pessoas por todos os cantos do Brasil. No último domingo, também foi ao ar o último e derradeiro episódio de Pose (2018 – 2021), criada por Ryan Murphy e Steve Canals, uma série relativamente curta, foram apenas três temporadas, mas que já entrou para a história. A série estreou em junho de 2018 com a promessa de que seria uma série revolucionária e foi. Ryan Murphy, criador da série, é homossexual assumido e em todas as suas criações existe um núcleo homossexual. Em Pose, ele teve liberdade para falar disso ainda mais abertamente, seria também a sua criação mais pessoal, que levaria pela primeira vez para a televisão uma série sobre mulheres transexuais, feitas por mulheres transsexuais e esses eram apenas os planos iniciais do ambicioso Murphy. Toda a equipe de Pose viria a ser formada por mulheres, negros e minorias. Isso inclui o elenco, roteiristas e diretores. Murphy conseguiu um feito nunca antes alcançado. O enredo da série é muito simples: Um grupo de “desajustados” na cidade de New York em meados dos anos 80 e 90, os salões de baile, que se tornaram icônicos, mais conhecidos como “ballrooms”, uma cultura que tinha vida própria e que não precisava que ninguém se apropriasse disso para lhe alçar voos maiores como fez Madonna, com a canção Vogue, um momento retratado de forma maravilhosa na segunda temporada da série. O vírus do HIV/Aids, a violência, o racismo, homofobia e tantos outros assuntos foram abordados com classe ao longo de três lindíssimas temporadas. Os criadores desenvolveram a série para que cada temporada fosse única. O medo de um cancelamento sempre rondou as gravações, assim, as duas primeiras temporadas tiveram finais fechados, mas o público abraçou Blanca (MJ Rodriguez), Pray Tell (Billy Porter), Candy (Angelica Ross), Lil Papi (Angel Bismark Curiel), Angel (Indya Moore) e, o espetáculo monstruoso que é, Elektra (Dominique Jackson). Impossível ficar isento diante de todos esses já icônicos personagens, especialmente Elektra que é baseado em uma pessoa real, com todo aquele jeito, caras e bocas, figurinos impagáveis, tudo na personagem foi feito para ser grande e foi. Deus salve Elektra. O terceiro e último ano da série resolveu abordar cada um dos personagens separadamente, já que a FX – o canal que exibia a serie nos Estados Unidos – deu um ultimato de que esse seria o último ano da série. Em cada um dos sete episódios, um arco se fecha. Os mais familiarizados com as séries de Murphy, sabem que o otimismo é o seu carma, não importa se a série é uma comédia, um drama ou um terror, ele precisa terminar de forma otimista, escorregadas que geralmente costumam incomodar e culminar no cancelamento de suas obras. Mas não é que, em seu melhor trabalho, Murphy conseguiu deixar de lado esse otimismo, mesmo que não por completo, e entregar um final cauteloso. Se as outras duas temporadas tinham episódios pra lá de divertidos, capazes de fazer qualquer um gargalhar, dançar ou até mesmo procurar um “ballroom” perdido na cidade onde vivemos, a terceira temporada deu finais históricos para cada uma das singularidades que são as personagens, algumas ganharam mais espaço que outras, mas isso faz parte, especialmente quando um ganha prêmios como Billy Porter (Pray Tell) – Emmy de melhor ator em série drama 2018 – ou Elektra (Dominique Jackson) que virou meme com a cena do restaurante na segunda temporada. Personagens que fizeram mais sucesso logo ganhariam mais espaço e para ambos, criaram episódios que contam todo o passado, de onde eles surgiram e como chegaram até onde estão. Por sinal, o episódio solo de Elektra talvez seja o melhor de toda a série. O que realmente importa é que, infelizmente, acabou. É claro que gostaríamos de assistir mais uma ou duas temporadas com as presepadas da turma, com desfiles extravagantes no baile, com Pray Tell narrando e chutando os competidores, com Blanca, a mãe de todas as mães, Angel e Lil Papi formando a própria família e, claro, Elektra gastando toda sua fortuna, mas acabou. O que lhes garanto é que Pose é entretenimento de primeira qualidade, afaga nossos corações, criou momentos históricos para a televisão e tem seu lugar de merecimento.
- Comunista. Você não é, mas querem que você seja
Os estragos da polarização Numa sociedade bastante polarizada como a nossa, qualquer ideia ou pensamento que venha a ser diferente, começa a ser combatido. Desejos de uma sociedade mais justa onde a meritocracia não seja a tônica para um desenvolvimento coletivo, promovem indignação a quem pensa diferente. Lógico que os ataques começam e inevitavelmente são recheados de conceitos que se não se encaixam mais nesse capítulo da história, por falta de base, de conhecimento e, pior, lotados de bronca. Aqui já começa a valer algo que vai um pouco mais além da questão política. Não precisa ser da área para saber que a polarização é sinal de uma sociedade doente e que precisa ser tratada. Afirmam isso vários profissionais, e não só da área da saúde. Profissionais ligados à segurança pública deixam claro que os efeitos disso também interferem e colaboram muito para a criminalidade, com ataques que podem passar do verbal para o físico num tempo muito curto. Pueril talvez seja uma das explicações para esse modelo polarizado de sociedade. Fica bem próximo dos mecanismos de defesa de bebês, compreensível para a idade, porém incoerente e desastroso quando expresso por pessoas adultas. Mudam-se as cores das camisetas, das faixas e até dos rostos quando surge algum enfrentamento. Triste realidade que exalta ainda mais os ânimos quando um dos lados tem argumentação plausível e coerente, o que deixa qualquer um com pensamento engessado fora de seu prumo, como se tivesse levado um chute na canela. É obvio sim que todas as opiniões devem ser respeitadas, mas esse aspecto logo desaparece quando um dos lados prefere trocar argumentos por descaso, desdém e provocações. Pessoas que buscam uma sociedade mais justa, mais igual e mais responsável com todos, logo são chamadas de comunistas, ou facilitadores para transformar o país naquilo que enxergam de pior no país vizinho. As pessoas até podem sentir afinidade com alguém que consideram um mito. O que não faz sentido é passar por cima do real significado da palavra, já que ela, na prática, não passa de um mito, um conceito tão claro quanto abstrato. Chama a atenção também o rótulo de comunista que se transformou em palavra-chave para aqueles que querem encerrar uma discussão argumentada. O comunismo precisa ser visto com mais critério e estudo antes de ser usado como escudo protetor ou espada. Para se ter uma visão mais abrangente sobre o que é o comunismo, cabe um pouco de base histórica e, também, de religião. Dentro desses aspectos, temos há séculos duas teorias sobre a existência humana, presentes em estudos, em igrejas, em ciência. Uma delas, o criacionismo, tem origem na literatura bíblica e, a outra, a seleção natural ou darwinismo. Nesse âmbito, sabe-se que dentro do criacionismo Deus adormeceu Adão, retirou-lhe a costela e cobriu com barro, na linguagem coloquial da época. Hoje, afirma a ciência que adormecer um humano é possível com anestesia, da costela temos as células tronco e fechar uma abertura na carne é o que faz a cirurgia plástica. Sobre Darwin, sabe-se que muitas pessoas aceitam sua teoria independentemente de terem ou não uma religiosidade. Por outro lado, misturar essas teorias antagônicas pode ser tão incoerente quanto não ter a informação correta sobre o que é comunismo. Karl Marx chegou à sua filosofia sobre o comunismo tendo como base Charles Darwin. A leitura e estudos sobre seus relatos eram constantes na vida de Marx, inclusive dedicando seu livro, O Capital, a Charles Darwin. Assim, não se pode isolar uma aceitação da teoria da evolução, dos aspectos comunistas. Parece não haver sentido conduzir a vida numa crença específica como o darwinismo e, ao mesmo tempo, recusar uma filosofia que surgiu dela. Aderir ou não ao comunismo não apaga o fato de sua origem. Incoerência é a palavra correta para aqueles que aceitam Darwin e ao mesmo tempo criticam alguém, chamando-o de comunista. O conceito de comunismo é diferente do que entendem, a presença do comunismo no Brasil é também bastante diferente do que pensam e, buscar uma sociedade mais justa não significa ser vermelho, comunista ou anarquista. Na teoria de Charles Darwin, as plantas surgiram antes da luz, ficando aí um hiato a ser preenchido com a informação sobre como se dava a fotossíntese. Melhor não se agarrar a uma definição de comunista sem antes entender sua origem e base, para não cometer o erro de pular uma etapa evolutiva que certamente comprometerá o entendimento das coisas, como naturalmente acontece quando se é politicamente superficial. Defender um mito e todo seu lado abstrato não dá a ninguém o direito de mitificar aspectos importantes da história, transformando-os em fragmentos explicados por supostos gurus, ou, pior ainda, sem explicação. Uma base concreta voltada a estudos que passam pela história e tudo que ela abrange é o que se espera de uma sociedade, para que siga em busca de justiça social e todo benefício que ela traz a todos. E, havendo uma polarização, a única forma de dissolvê-la é basear-se no que é concreto, no que é real, no que é história e ciência. Há de chegar o momento em que se possa afirmar a verdade com toda sua clareza, sem que isso ofenda, mas que motive a buscar, sempre, conhecimento. Eu, em particular, continuo afirmando que a Terra não é redonda. Nosso planeta é sim um esferoide, com seus polos achatados. Também tenho certeza que não é vermelho, só porque explico sua forma de um jeito diferente, como a ciência me ensinou.
- LISTA: 5 Filmes sobre processo criativo de autores
Veja os filmes que desnudam o processo criativo literário O processo criativo pode ser muito difícil, enquanto para alguns a inspiração chega com certa facilidade, para outros custa muito e ainda, para um terceiro grupo de pessoas, o processo criativo pode ser uma verdadeira loucura. Imagina como é difícil criar uma história, personagens, diálogos, ou uma obra de arte, uma pintura, música, escultura. Imagine a rotina de um diretor de cinema que precisa coordenar toda um equipe, direção de arte, fotografia, edição, trilha sonora, atores. O cinema sempre mostrou esse processo como nenhuma outra arte, algumas obras como A Rede Social (David Fincher, 2010), que mostra o processo de Mark Zuckerberg na criação da maior rede social da história ou Steve Jobs (Danny Boyle, 2015) mostra toda a visão criativa do biografado a frente de seu império, a Apple. Foram verdadeiros sucessos e acabaram bem premiados. Os filmes mostram o processo criativo dos artistas em todas suas etapas, desde a faísca inicial, que é a ideia, até o desenvolvimento e os resultados. Como mencionei na lista da semana passada, eu ainda estou na crista da onda literária, o meu curso de escrita criativa me rendeu muitas ideias e estou até pensando em começar a escrever algo mais longevo, por isso a lista de hoje é sobre o processo criativo dos autores literários, mais uma lista muito linda, espero que goste e que se inspire para escrever, escrever e escrever. 5. O Escritor Fantasma (Roman Polanski, 2010) O diretor Roman Polanski tem seus altos e baixos, nos últimos anos, mais baixos do que altos é verdade, mas lá atrás no começo da década ele entregou obras sólidas e O Escritor Fantasma é uma delas, o filme gira em torno do The Ghost (Ewan McGregor) – o protagonista – um escritor que é contratado para escrever a biografia de Adam Lang, um senador cheio de segredos, conforme o filme vai acontecendo, mil reviravoltas acontecem e o Ghost acaba entrando em perigo, um ótimo suspense. Onde assistir: Claro Video 4. Mais Estranho que a Ficção (Marc Forster, 2006) O filme mais divertido que você vai assistir em muito tempo, se liga na história: Harrold Crick (Will Farrell) é um empregado do governo, solitário e repleto de manias. Seus dias são repetitivos e sem grandes acontecimentos até que ele descobre que sua vida está sendo escrita, que ele é um personagem de um livro. Acredite, esse filme é incrível e de quebra tem a melhor – e talvez única – atuação de Will Ferrell. O filme foca no processo criativo da autora que, ao descobrir que o personagem da sua obra realmente existe, tem um impasse, matar ou não matar o personagem? Onde assistir: Claro Vídeo 3. Adoráveis Mulheres (Greta Gerwig, 2019) O lindíssimo retrato de uma época sob a ótica de uma aspirante a escritora. Ela vem de uma família peculiar e repleta de mulheres talentosas, o filme é incrivelmente divertido, mesmo com o vai e vem da história e o excessivo uso de fashback, não confunde. Saiorse Ronan e Timothée Chalamet são uma força, talvez os melhores atores da atual geração, sempre jutos e junto deles está Florence Pugh, que interpreta uma personagem mimada e que com a força do tempo vai ganhando maturidade. A história da família complicada, acaba se transformando em um livro escrito pela protagonista. Onde assistir: iTunes 2. Meia-Noite em Paris (Woody Allen, 2011) O melhor filme do mestre Woody Allen, na minha humilde opinião, claro. Aqui o diretor esbanja criatividade, fugindo totalmente do que ele já havia feito no decorrer de sua carreira, cada personagem é uma aventura diferente, as ruas de Paris passam uma energia gostosa e até nostálgica, mesmo para quem nunca foi até Paris. E como não se encantar por Gil Pender (Owen Wilson), o protagonista, um escritor inseguro que não sabe se a sua obra está boa, completa e pronta para ser publicada. Um grande filme. Onde assistir: Amazon Prime 1. O Escafrando e a Borboleta (Julian Schnabel, 2007) OBRA-PRIMA são as únicas palavras cabíveis para essa obra gigante, perfeitamente dirigida, perfeitamente fotografada, perfeitamente editada e interpretada. O filme narra a história real de Jean-Dominique Bauby (Mathieu Amalric), dono de uma das revistas mais celebradas da França, sofre um derrame que paralisa completamente seu corpo, a não ser pelo olho esquerdo, única parte do corpo que ele movimenta. O filme segue então os remorsos de Bauby e o dificílimo processo criativo para escrever seu livro de memórias. Como mencionei acima, uma verdadeira obra-prima inspiradora. Onde assistir: Amazon Prime
- Festival de Cannes 2021 - Seleção Oficial
A seleção, os diretores, a competição e a busca pela Palma de Ouro. O maior festival de cinema do mundo está de volta. Depois de um ano sabático forçado pela pandemia, o curador Thierry Fremaux anunciou na manhã de hoje a seleção oficial do Festival de Cannes 2021. Os cinéfilos, críticos e parte do público estavam ansiosos por uma edição do festival, o motivo é simples, Cannes é um festival cheio de glamour, de estrelas e palco de um seleto grupo de diretores que, ano após ano, submetem suas obras e competem pela cobiçada Palma de Ouro. A Competição O curador, há algumas semanas, havia anunciado o filme de abertura que será Annette, de Leos Carax e mais dois filmes já tinham sido confirmados na competição, os aguardados A Crônica Francesa, de Wes Anderson e Benedetta, de Paul Verhoeven, ambos os filmes deveriam, originalmente, ter estrado na edição de 2020, mas por conta do prestigio dos diretores, foram guardados para uma estreia na edição 2021. Os mais familiarizados já sabem que o festival é praticamente um “clubinho”, alguns diretores são figurinhas carimbadas como por exemplo Ken Loach, Jean-Luc & Pierre Dardenne e Pedro Almodóvar, embora nenhum deles tem filmes para esse ano, já lhes adianto que eles, com certeza, estarão na edição de 2022, para a edição de 2021 são Nanni Moretti e seu Tre Piani, Jacques Audiard, com Les Olympiades, o primeiro na oitava competição e o segundo na quinta; ambos já com uma Palma de Ouro em casa. Asgar Farhadi, um dos diretores mais prestigiados da atualidade está na quinta competição, agora com A Hero, assim como Bruno Dumont, com France e o, chove não molha, François Ozon e seu Tout S’est Bien Passé. O outrora vencedor da Palma, Apitchpong, volta a competição com o aguardadíssimo Memória e o ator Sean Penn, depois de ser massacrado pela crítica em sua última passagem, volta com Flag Day. O filme mais longo esse ano é Drive My Car, do japonês Ryusuke Hamaguchi e as mulheres marcam presença, Titane, de Julia Docournau, La Fracture de Catherine Corsini e Mia Hansen-Love com seu também aguardado Bergman Island. Por fim, outros títulos aguardados são The Worst Person in the World, de Joaquin Trier e Ahed’s Knee, do vencedor do Urso de Ouro Nadav Lapid e claro, ansiedade forte por Red Rocket, de Sean Baker. Fora da competição e outros títulos O Brasil também vai marcar presença em 2021, Karim Ainouz, vencedor da mostra Um Certo Olhar em 2019 com o filme A Vida Invísivel, volta ao festival com O Marinheiro das Montanhas. A maravilhosa – sério gente, os filmes dessa mulher são incríveis – Andrea Arnold e seu Cow, por algum motivo, ficou fora da competição, só por curiosidade, Arnold dirigiu apenas quatro filmes em sua carreira, mas três deles foram à competição principal e os três ganharam Jury Prize (o prêmio do Júri). A também maravilhosa Emmanuelle Bercot vai apresentar seu novo trabalho, De Son Vivant, assim como o diretor do vencedor do Oscar Spotlight, Tom McCarthy, agora ao lado de Matt Damon em Still Water. O que você precisa saber: Como a França já está com a vacinação contra Covid-19 avançada, o festival vai acontecer presencialmente, como pede as regras - o diretor é obrigado a estar na Croisette, assim como parte do elenco, ou seja, teremos todo aquele glamour, vestidos e a chuva de fotos. O festival “não aceita” filmes da Netflix ou de qualquer outro streaming na competição, segundo a regra, para competir por uma Palma de Ouro, o filme precisa entrar em cartaz nos cinemas na França e especialmente a Netflix, prefere não seguir as regras, então... nada de filmes do streaming. O júri será presidido por Spike Lee, os demais membros do júri ainda serão anunciados. O festival acontece do dia 06 até 17 de julho, dia do anuncio dos vencedores e o portal Dossiê etc vai fazer uma cobertura completa aqui no site, então, se você gosta de um circuito alternativo e filmes mais ‘cult’ fica de olho aqui no portal Filmes que concorrem à competição principal de Cannes 2021: A Feleségem Története (The Story of My Wife), de Ildikó Enyedi (Hungria) Benedetta, de Paul Verhoeven (Holanda) Bergman Island, de Mia Hansen-Love (França) Drive My Car, de Ryusuke Hamaguchi (Japão) Flag Day, de Sean Penn (EUA) Ha'berech (Ahed's Knee), de Nadav Lapid (Israel) Casablanca Beats, de Nabil Ayouch (Marrocos) Hytti Nro 6 (Compartment nº 6), de Juho Kuosmanen (Finlândia) The Worst Person in the World, de Joachim Trier (Noruega) La Fracture, de Catherine Corsini (França) The Restless, de Joachim Lafosse (Bélgica) Paris 13th District, de Jacques Audiard (França) Lingui, de Mahamat-Saleh Haroun (Chad) Memoria, de Apichatpong Weerasethakul (Tailândia) Nitram, de Justin Kurzel (Austrália) France, de Bruno Dumont (França) Petrov's Flu, de Kirill Serebrennikov (Rússia) Red Rocket, de Sean Baker (EUA) The French Dispatch, de Wes Anderson (EUA) Titane, de Julia Ducournau (França) Tre Piani, de Nanni Moretti (Itália) Tout s'est Bien Passé, de François Ozon (França) A Hero, de Asghar Farhadi (Irã)
- Vidas lokas importam!
A luta antimanicomial para além da sua bolha... “Sim! Sou muito louca Não vou me curar Já não sou a única Que encontrou a paz Mas louco é quem me diz! E não é feliz! Eu sou feliz!...” Balada do louco – Rita Lee “Mais e eu que não tenho nenhum ‘problema de cabeça’ tenho o que a ver com isso?” você pode perguntar... “...Deve pois só fazer pelo bem da nação Tudo aquilo que for ordenado Para ganhar um fuscão no juízo final E diploma de bem-comportado Você merece Você merece Tudo vai bem, tudo legal Cerveja, samba e amanhã, seu Zé Se acabarem teu carnaval?...” Comportamento geral- Gonzaguinha Eu começo te perguntando o que é ser “normal” para você? Os trechos dessas músicas nos ajudam a refletir sobre isso, se você é boa nisso aproveite para repensar sobre a sua saúde mental, isso é uma questão subjetiva, individual, pessoal e intransferível, não existem regras, você faz as suas regras, não terceirize suas escolhas. Tudo bem que estou chegando atrasada com esse assunto, mas sou das que defendem a ideia de que não precisamos de datas especificas para homenagear, comemorar ou lembrar de algo, principalmente quando se trata de lutas, estas têm que ser vividas diariamente mesmo quando nos falta forças. No último dia 06 de abril de 2021 a reforma psiquiátrica completou 20 anos, assim como no último dia 18 de maio 2021 comemoramos 34 anos da proposta de reformar o sistema psiquiátrico brasileiro. Mas não temos nada para comemorar, pois os retrocessos e ataques do atual desgoverno sobre essas pautas tem sido cada vez mais constantes. Pautas que já foram debatidas há anos, ideias que já tinham caído por terra, mesmo que recentemente. Mas em pleno 2021 no meio desse caos do desgoverno, pandemia a milhão e, eu arrisco dizer que esse é, o período mais sombrio que nossa sociedade passa desde o período escravatura e a gente ainda ter que rediscutir sobre eletrochoque, por exemplo. É algo até cansativo, mas seguimos resistindo incansáveis, não só por nós e pelos que vieram antes e abriram caminhos para que chegássemos nesse nível de debate, mas também pelas que virão, que possam encontrar um mundo um tanto melhor do que ele está hoje. Por uma sociedade sem manicômios e sem prisões! Para falar dessa pauta nesse ano que marca 20 anos da reforma psiquiátrica e da luta antimanicomial no Brasil, essa luta pela desinstitucionalização do sistema de saúde mental contra o retrocesso da retomada dessa lógica manicomial que restringe ainda mais nossas liberdades individuais, contra a falácia que é essa segunda reforma psiquiátrica, penso que, antes disso, seja importante falar sobre a manicomialização à partir de uma perspectiva antirracista para entender essa lógica antiproibicionista. Porque não tem como desvincular toda essa barbárie que vem acontecendo desde que os colonizadores chegaram nessa terra e começaram a instituir quem estaria dentro dos padrões de normatividade para se conviver em sociedade, com a ocasião da abolição. O que fazer agora para acabar com essa gentalha toda? A partir daí começa esse projeto de manicomialização do povo preto aqui no Brasil e eu digo isso porque basta olhar imagens de qualquer pátio de manicômio, ou do cárcere ou até do camburão que muito se parece com os navios negreiros, esses espaços têm cor e a gente sabe qual é. Com o tempo esses espaços se tornaram depósitos de “lixo humano” todos que eram considerados escória da sociedade (gays, imigrantes, “doentes mentais”, prostitutas, militantes políticos…) esse projeto de manicomialização se reedita e se reinventa ao longo do tempo e em cada período usa de diferentes tipos de correntes e formas de dominação. Mas para isso acontecer foram necessárias duas atmosferas que o colonizador bem sabe administrar, o poder e a psicologização, muito disso apoiado inclusive em fundamentos que se dizem científicos. E aí, a partir de concepções racistas, a lei e o remédio desde então passam a ser e continuam sendo ferramentas de controle desse projeto de nação que vinha se formando. Quando surge a lei de repressão a ociosidade, surgem junto mais e mais espaços de opressão. Usavam nossa forma física, formato do crânio e outras coisas do tipo para sugestionar uma inferioridade e/ou periculosidade. No Juqueri mesmo, aqui em São Paulo, crianças e adolescentes eram institucionalizadas na intenção de conter a proliferação do povo preto e manter o mito da raça pura paulistana. Mas apesar desse cenário nós também tivemos grande nomes de pretos que foram figuras importantes e revolucionárias nesse processo. Juliano Moreira, primeiro a trazer estudos sobre a psicanálise aqui para o Brasil, Lima Barreto, escritor que tinha muito medo de ser institucionalizado e levado num carro de polícia, o que de fato aconteceu. Com isso a gente vê o quanto esse imaginário do preto no camburão já fazia estragos na nossa saúde mental, tem até a música do Rappa que fala: “todo camburão tem um pouco de navio negreiro...” Já eu acredito que tem muito... Chegamos também em Dona Ivone Lara a nossa rainha do samba que trabalhou ativamente com Nise da Silveira trazendo a música como ferramenta terapêutica potente no trabalho em saúde mental, mas muita gente nem sabe sobre isso, por que será? ” Alegria de viver cantando Companheira desses longos anos Fonte de inspiração tão bela Essa luz sempre a me guiar Da loucura resgatou insanos Pois nas trevas os meus desenganos...” A Força do Criador – Dona Ivone Lara Quando a gente olha esse recorte do nosso contexto histórico dá para perceber que não é só sobre o “crioulo doido” e a “negra maluca” como atributos dos enlouquecidos, mas também dos usuários de substâncias psicoativas que nos ajuda a entender o processo proibicionista no Brasil que também tem herança na manicomialização. Daí a gente traz a primeira lei que tentou impedir o uso de drogas no Brasil em 1830, promulgada pela câmara municipal do Rio de Janeiro, a lei do “pito do pango”, por exemplo, já que o consumo era associado aos negros. “É proibida a venda e o uso do “Pito do Pango”, bem como a conservação dele em casas públicas: os contraventores serão multados, a saber, o vendedor em 20$000, e os escravos e mais pessoas que dele usarem, em 3 dias de cadeia.” Teorias eugenistas da época não tinha a intenção de proibir a substância em si, mas, na verdade, buscava marginalizar tudo que tivesse a ver com a cultura afro-diaspórica, o samba, a capoeira, o candomblé atrelando a “vadiagem” à criminalidade, daí a gente percebe que macumbeiro e maconheiro não é só uma coincidência fonética. E assim foi ganhando força essa narrativa da violência manicomial da política antidrogas, próprias desse regime totalitário. Essa política proibicionista intensificou articulações e estratégias voltadas para abstinência sob modelos sanitarista e jurídico moral. Com a política de guerra drogas surge essa atmosfera de ignorância sobre os reais efeitos das drogas, gerando estigmas de que produziriam propensões criminosas. Mas eu arrisco dizer a partir da minha experiência, enquanto profissional que já trabalhou nos mais diversos espaços e mesmo hoje na clínica, que a droga mais tóxica que existe é a família. É nesse contexto familiar permeado por regras e valores antiquados que acontece o adoecimento de pessoas que, por exemplo, não podem ser elas mesmas, se sentindo na contramão por imposições morais que não fazem o menor sentido. Não aceitam o filho gay, obrigando-o a ir para rua, da mesma forma o incompreendido (rebelde), da mesma forma o filho adolescente que fuma maconha e é internado em comunidade terapêutica como eu mesma já vi, enfim as opressões são infinitas e começam dentro de casa se tornando de fato a porta de entrada para outras drogas. E a partir desse contexto no Brasil se percebe o surgimento de mais e mais asilos, manicômios, e cárceres, ganhando ainda mais poder, afetando diretamente a população preta pobre e periférica que sempre foram alvo e são os que pagam mais caro com essa guerra insana, e ineficaz, reforçando também esse modelo de privatização da atenção à saúde mental e dos presídios, porque nós sabemos o quanto isso gera lucro para alguns, mas também muita dor e sofrimento para outras. Foi aí que em 1970 que se percebe a urgência dos movimentos para uma reforma psiquiátrica e antimanicomial influenciada pela experiência de Franco Basaglia na Itália e pela problematização da loucura presente no pensamento de Foucault. Acompanhando uma tendência mundial da ONU a legislação brasileira foi mudando, foi quando em 1971 com a ditadura, repressão a todo vapor junto à preocupação com o “problema do tráfico”, a gente começa a ver surgir termos como traficante e criminoso que passam a definir essa ordem militar policialesca e a ideia de dependência/doença passa a ser tida como vício e o delinquente se torna criminoso. E daí a gente percebe o quanto que a luta antiproibicionista bebe dessa fonte da luta antimanicomial e da mesma forma uma complementa a outra. Por conta dessa ideia de guerra às drogas, eles vendo que o cárcere não tem dado conta de cumprir com seu "propósito" – e isso é obvio, mas nunca que eles vão admitir – a gente vê a volta dos manicômios para usar, por exemplo, em casos de prisão perpétua que em tese não existe aqui, mas geralmente a pessoa fica presa em hospital de custódia justamente porque a pessoa nunca vai sair dali. Mesmo se ela não tiver nenhuma questão, por exemplo, de sofrimento psíquico, com certeza ali é um ambiente propicio para se desenvolver algum transtorno. Nesse caso se tornando ainda “mais perigoso”, sendo assim, o mais indicado para “proteger” a sociedade é que ele permaneça lá, por isso se torna uma prisão perpétua... Parece que existe um paradigma nessa questão do encarceramento, onde se prende uma pessoa para “proteger a sociedade”, mas aquele cidadão precisa sofrer por isso, então nesse caso ele perde o direito de ser cidadão. É isso? Qual o sentido dessa ideia de proteção? Porque a gente percebe o recrudescimento do discurso conservador nas campanhas, “atira pra matar”, como ocorre todos os dias nas favelas, como vimos há pouco no massacre do Jacarezinho e o caos social que esse discurso moralista traz. O quanto parece difícil pensar essa lógica de uma sociedade sem punição, da mesma forma que já foi impossível pensar uma sociedade sem manicômios, mas isso foi provado que é possível com a reforma psiquiátrica, também podemos seguir lutando enquanto abolicionistas penais por uma sociedade sem prisões, já que possibilidades substitutivas a esse modelo atual também já existem. “...Cada detento uma mãe, uma crença Cada crime uma sentença Cada sentença um motivo, uma história de lágrima Sangue, vidas e glórias, abandono, miséria, ódio Sofrimento, desprezo, desilusão, ação do tempo Misture bem essa química Pronto, eis um novo detento Lamentos no corredor, na cela, no pátio Ao redor do campo, em todos os cantos Mas eu conheço o sistema, meu irmão, hã Aqui não tem santo...” Diário de um detento – Racionais MCs A partir de 2017 para cá, dentre todos os retrocessos que tivemos, também houve a volta da manicomialização, mercantilização e a privatização da saúde mental sob uma perspectiva do higienismo social, desmonte de equipamentos públicos de fato, mais efetivamente em 2020 surge uma portaria do inferno na terra, uma porta que já estava se fechando para o higienismo social. Essa portaria nº 69 de 14 de maio de 2020, orienta internação compulsória da população em situação de rua em comunidades terapêuticas, além de financiar serviços privados e que consequentemente precariza ainda mais os dispositivos da rede do SUS. Fato é que esses espaços “de recuperação” não estão interessados na reconstrução de laços comunitários, reinserção social, não têm articulação em rede, construção de um projeto terapêutico individualizado contando com a participação ativa do usuário junto a família. Na verdade, é bem o contrário, infelizmente nesses locais ainda ocorrem casos de contenção física, isolamento e restrição de liberdade, obrigando os internos a participarem de atividades de cunho religioso, ou seja, vai totalmente de encontro com a lei da reforma psiquiátrica e isso tem gerado problemas de proporções imensuráveis e eu fui testemunha disso em uma comunidade terapêutica “centro de recuperação” onde trabalhei. E não só o meu testemunho, também existem diversos estudos que confirmam esses casos de abuso, estudos inclusive do conselho federal de psicologia tem outro estudo também do conselho regional de psicologia de São Paulo entre muitos outros que denunciam as atrocidades que ocorrem nesses locais. Então a gente percebe que o grande erro foi ter colocado na mão de higienistas e da polícia todo esse poder. Porque isso, antes de qualquer coisa, é uma questão social, de educação, saúde, dentro de uma noção de igualdade de direitos. Com isso, milhares de pessoas são encarceradas, manicomializadas, subjugadas, humilhadas, assassinadas enquanto o Estado permite lucros incalculáveis com esse que é um terreno fértil, inclusive para a corrupção, porque eles lucram até com os corpos mortos que vão para os laboratórios das universidades. Com isso a gente observa o desmonte da proposta do SUS que consistia no enfraquecimento e deslegitimação dessas práticas. Por que não investir nos equipamentos públicos que já existem? Outro fato é que esse financiamento público vai contra evidências científicas sobre cuidado comunitário em liberdade e a importância da redução de danos. Quando estado financia esse tipo de instituição estão repassando dinheiro que poderia estar sendo usado em serviços mais eficientes e essenciais, além disso ela acaba legitimando, reforçando a lógica desumana que esses espaços utilizam. Outro ponto é que nosso estado é laico e a maioria dessas instituições são de cunho religioso que acabam por desconsiderar a forma particular que cada um expressa sua espiritualidade. O decreto nº 9.761/2019, com as digitais de Osmar Terra (Planista), que busca promover a abstinência, aumentou os investimentos de 154 milhões para 300 milhões só de 2019 para 2020 ressaltando que esses são investimentos do governo federal, fora os repasses estaduais, municipais e afins, que esses espaços recebem. Esse valor é o que seria repassado para 331 CAPS AD. No meio disso tudo ainda tem outro agravante porque no meio de todo esse caos que estamos vivendo na saúde em meio ao covid-19 ainda tem a emenda constitucional 95 a chamada PEC do fim do mundo que congela o investimento público de saúde e educação. Uma emenda que chantageia o nosso país. porque o impacto desse desfalque, com certeza, afeta ainda mais esse momento de pandemia, onde esse dinheiro poderia muito bem-estar sendo destinado aos cuidados com a covid, mas, ao contrário disso, segue enchendo os bolsos de instituições desumanas que não trata ninguém. Isso tudo deixou o Brasil com menos capacidade de enfrentar esse contexto de pandemia mundial. Nós questionamos esse saber psiquiátrico excludente/seletivista que foi construído sobre o silenciamento de pessoas contra o argumento de que “todo louco é perigoso, incapaz e que pode ser preso e torturado como se não fosse gente”. Se não nos deixam sonhar então não deixaremos eles dormirem. Seguiremos lutando na busca por uma sociedade sem manicômios, nem prisões, porque a reforma psiquiátrica nos deu a possibilidade de pensar o inexistente. Já se foi o tempo em que pensávamos ser impossível uma sociedade sem esses espaços de contenção, foi provado que é possível esse lugar de voz e protagonismo de pessoas que foram silenciadas e privadas de liberdade por séculos, somente por serem diferentes. Somente 20 anos atrás foi sendo possível criar essa rede de cuidado, ampla, territorializada, horizontal e diversificada, porque temos muitas opções para diferentes contextos e isso NÂO É DESCULPA. O direito à liberdade é o mesmo que o direito à vida e a saúde. Não fosse o SUS, a reforma psiquiátrica não seria possível, salvemos o SUS. Esse texto é um chamado para que tenhamos essa noção de que a derrubada desses muros em todos os sentidos só foi/é possível pela força da militância, da ação política dos coletivos que compõem essa luta. Precisamos reconhecer nossa força, nossa potência e resistência que é parte de nós. Por mais que eles tentem, é impossível apagar a reforma psiquiátrica porque ela já existe nos afetos que nos atravessam nessa experiência de dignidade, acolhimento, cidadania, de se ver enquanto um no mundo. Por isso nenhum passo atrás! Manicômios nunca mais. Saúde não se vende, loucura não se prende, para que a gente não esqueça e para que nunca mais aconteça: Acolha, não puna! Sem amor não existe revolução. É nóis por nóis! “...Crianças crescem nas ruas não confiam em Ninguém escondem nossa cultura referência ninguém O País tá uma merda e a culpa é de quem? A culpa é de quem? Eles roubam do planalto e não pensam em ninguém Manipulam as leis e vêm com um papo furado Tudo que incomoda a eles, eles dizem está errado quem é o marginal?...” A culpa é de quem? - Planet Hemp
- Critica - Cruella (Craig Gillespie, 2021)
O filme da caçadora de Dálmatas até que é divertido; destaque para os lindíssimos figurinos, direção de arte e maquiagem. A Disney é atualmente o “maior” estúdio de cinema do mundo, logo, também é dona do maior monopólio de Hollywood, isso não é segredo pra ninguém, todo mundo sabe que a Disney, quase domina o mercado cinematográfico americano. Domínio ainda maior após a compra da Marvel e da Fox. O que também não é segredo para ninguém, é que a Disney é sinônimo de grande público, altas bilheterias, quase todo mundo gosta das produções da Disney ou tem aquela animação querida do coração e, lógico, os produtores sabem disso e sabem qual é a fórmula para continuar esse sucesso. O primeiro passo foi transformar as animações em live action: Cinderela, Mogli, A Bela e a Fera, O Rei Leão, entre outros, todos foram sucesso de bilheteria; o segundo passo foi fazer filmes solos, com preferência para as vilãs, o processo se iniciou com Malévola, estrelado por Angelina Jolie, agora a Disney resolveu dar vida para uma das maiores – e melhores – vilãs, eternizada por Glenn Close e agora vivida por Emma Stone, Cruella De Vil. O filme é um “prequel” da história dos 101 Dálmatas (1961), conta as origens de Cruella, desde sua infância até sua entrada caótica no mundo da moda e não foge da cartilha de outros tantos filmes, Estella – esse o verdadeiro nome dela – é uma criança que não consegue se encaixar na escola por causa de suas roupas e do seu cabelo de duas cores, metade preto e metade branco. Sua amada mãe resolve então deixar a pequena cidade e se mudar para Londres, pensando no futuro da filha, é então que no meio do caminho um acidente acontece e todo o desenrolar da trama começa acontecer. Já em Londres, Estella encontra dois amigos, Jasper (Joel Fry) e Horace (Paul Walter Hauser), que ficariam junto dela por toda sua vida. Emma Stone realmente ficou bem na pele da vilã, especialmente quando ainda é Estella. Quando se transforma em Cruella, confesso que a achei meio caricata, o esquema do filme é meio parecido com O Diabo Veste Prada (2006), acaba flertando com a bondade e maldade, admiração e ódio, quando a personagem é Estella sentimos uma admiração, quando se transforma em Cruella, uma pequena repulsa. O filme é uma peça de origem, logo a protagonista Cruella não é a vilã do filme, que fica por conta da Baronesa Von Hellman, vivida por uma Emma Thompson para lá de chique. Uma daquelas madames da Oscar Freire que nos deixam “enojados” só de passar ao lado. Os maiores destaques do filme ficam por conta do acabamento. Londres, década de 70, o filme funciona como um grande desfile de moda, isso quando ela se transforma em Cruella, com inspirações em estilistas famosos, como Alexander McQueen, Vivienne Westwood e outros. Os figurinos mesclam uma moda singela e exagerada, algumas das cenas mais marcantes são pura criatividade e momentos icônicos, como em uma cena do caminhão de lixo e em outra com um táxi. A direção de arte também pontua, no início parece um filme conto de fadas, repentinamente ele se torna um filme sombrio, sinistro como pede a protagonista. As músicas também pontuam nas cenas mais cruciais, músicas conhecidas do público e que fizeram e fazem sucesso até hoje. Se você espera encontrar aquela vilã das animações, malvada e assassina de Dálmatas, não vai encontrar, porque ela ainda não existe. Como já mencionei algumas vezes, é um filme de origem, ele explica o porquê da personagem odiar os Dálmatas e porque em um futuro distante ela vai ter as ambições da animação. O espetáculo visual do filme até compensa, os personagens são divertidos e o embate das vilãs é engraçado, mas no fim, não passa de um filme de origem, com acabamento primoroso, como qualquer outra obra da Disney. Tem cheiro de Oscars. É o filme a ser batido em três categorias: Direção de arte, Maquiagem e Cabelo e, claro, Figurino. Onde assistir: Disney+ e Cinemas.