TV Saudade: As séries de TV que marcaram os anos 90
O amadurecimento da televisão fez com que ela criasse coragem para abordar assuntos que ainda eram tabus e, com isso, colocar no ar algumas das melhores séries de todos os tempos.
Os anos passaram, a televisão criada nos anos 50, começava a engatinhar nos anos 60, crescer nos anos 70 e nos anos 80 estava em uma transição entre a adolescência e o amadurecimento. Já nos anos 90, alvo dessa coluna, tudo estava mudando a começar por uma consolidação da televisão paga.
A HBO chegou para ficar e sua meta era colocar no ar uma variação de programas completamente diferentes do que todos os outros canais já haviam feito, o canal não teve dificuldades, no Brasil, a Globo também foi para cima e inaugurou o seu canal Multishow, novas séries como O Comissário (The Commish, 1991-1996) deram identidade ao canal, assim como séries antigas em uma sessão retro.
Na mesma onda do início dos anos 90, chegaram Sony, Warner, USA, EuroChannel e FOX, no Brasil, quem não tinha assistido os clássicos Perdidos no Espaço e Viagem ao Fundo o Mar tinha agora uma chance, mas o maior atrativo da gigante FOX, ainda era Arquivo X (The X-Files, 1993-2002) que até hoje mantém sua legião de fãs, mas foi naquela época que as pessoas iam ao delírio com cada novo capítulo que ia ao ar semanalmente.
Crescendo e aprendendo
Os anos 60, foram aquela década que Kevin Arnold cresceu, em meio a Guerra do Vietnã, da revolução cultural, da minissaia e dos direitos humanos, mas as únicas preocupações de Kevin eram se dar bem na escola, não apanhar do seu irmão Wayne, se divertir com seu melhor amigo Paul e namorar Winnie.
Quem narrava a história era o próprio Kevin, agora já adulto, que relembrava com alegria e melancolia sua infância, assim era o ambiente de Anos Incríveis (The Wonder Years, ABC, 1988-1993). A serie venceu o Emmy e o Globo de Ouro de melhor série comédia, aqui no Brasil foi exibida durante muito tempo no canal Cultura.
Adolescentes e aborrecentes...
Os seriados adolescentes ainda hoje têm as mesmas premissas, mas até os anos 90, tudo ainda era novidade, até então o adolescente nunca tinha sido protagonista, as séries mostravam apenas adultos com suas famílias, profissões e hábitos. Agora a família, a escola, o namoro e o futuro profissional eram temas comuns também entre os adolescentes. Blossom (NBC, 1991-1995), mostrava a pequena Blossom Russo (Mayim Bialik) nos dias após o abandono de sua mãe que foi para a França, se arriscar na carreira de cantora. A pequena Blossom fica com seu pai protetor, Nick (Ted Wass), e precisa fugir das inúmeras confusões que irmãos Joey (Joseph Lawrence) e Tony (Michael Stoyanov arrumam, além de lidar com a possibilidade de seu pai se casar de novo. A série se tornou diversão garantida para os jovens da época.
O sucesso de Curtindo a Vida Adoidado (John Hughes 1986), transformaria a vida de muitos adolescentes — a minha inclusive — e foi o filme de John Hughes que inspirou Parker Lewis (FOX, 1990-1993). A série, basicamente, faria o que o filme fez, o personagem-título, Parker (Corin Nemec), era considerado o mais esperto e malandro do colégio, tinha sempre com uma carta na manga para transformar o seu dia a dia na escola em algo divertido, nada muito diferente do filme. Sua irmã mais velha, Shelly (Maia Brewton) era uma invejosa que simplesmente não conseguia entender como Parker sempre se dava bem. O diferencial é que a série foi feita como se fosse um desenho animado, com edição mais rápida e o uso constante de efeitos especiais, uma novidade para a época.
Os anos 70 sempre foram meu sonho de consumo, sou apaixonado por aquela década, imagina como eram maravilhosas as roupas, os cabelos, a cultura e o cinema, se eu pudesse teria vivido meus 20 e tantos anos naqueles dias, pensando nisso lembrei That ‘70s Show (FOX, 1998-2006) que mostrava um grupo de adolescentes, em uma pequena cidade do interior do Wisconsin. Os jovens se reuniam no porão da casa de um dos amigos para assistir televisão, falar sobre absolutamente tudo, desde sexo até feminismo e sempre fumando aquele baseado. A Netflix anunciou na semana passada um spinoff da série que se chamará That ‘90s Show.
O mais famoso exemplar de adolescente (aborrecente), aqui no Brasil, foi Um Maluco no Pedaço (The Fresh Prince of Bel Air, NBC, 1990-1996) um dos primeiros trabalhos do futuro astro Will Smith, ele interpretava Will, que depois de aprontar muito na vizinhança do Queens, onde cresceu, é mandado por sua mãe para viver em Bel Air, Los Angeles, com os primos milionários. O choque cultural era o principal tema da série, que mostrava a adaptação gradativa de Will aos novos hábitos sofisticados dos Banks.
"Deus está olhando por você!" Está?
Os anos 90 foram muito especiais, por isso, as séries tinham um toque de fantasia fantástica que, infelizmente, já não existe mais hoje. “Fazer bem sem olhar a quem”– duas das séries mais famosas daquela década tinha essa frase como horizonte. O Toque de um Anjo (Touched By a Angel, CBS, 1994-2003), mostrava três anjos enviados a terra para tentar resolver os problemas de alguns humanos que estavam vivendo momentos delicados. Era uma misto de comédia, drama e religiosidade, especialmente com a mensagem de que nós humanos esquecemos de Deus, mas não o contrário. A serie foi cancelada logo no primeiro ano, mas o canal CBS recebeu uma avalanche de cartas que fez com que o canal recuasse dando uma nova chance ao programa. Funcionou. A série ficou no ar por longos anos.
Agora pense: O que você faria se acordasse de manhã e na porta do seu apartamento tivesse uma edição do dia seguinte do jornal? Foi assim que Gary Hobson (Kyle Chandler) acordou um dia e se deparou com uma edição do dia seguinte do Chicago Sun-Times. Esse era o enredo de A Edição do Amanhã (Early Edition, CBS, 1996-2000), para Gary, fazer o bem, também era algo normal, mas de primeira, Gary, que é um azarado-fracassado nato, tenta reverter essa maré faturando uma grana com essas notícias, mas logo depois se foca em evitar desastres e que coisas ruins aconteçam com outras pessoas.
Hospitais e Vidas
Os médicos, enfermeiros e salva-vidas bombaram de vez nos anos 90, especialmente em 94 quando duas premiadas séries médicas foram lançadas ao mesmo tempo. Chicago Hope (CBS, 1994-2000), criada por David E. Kelley, adotou um estilo novelão para mostrar os dramas pessoais dos médicos e dos pacientes. Ao longo dos anos a série ganhou diversos prêmios para o elenco principal, mas o sucesso mesmo foi de Plantão Médico (ER, NBC, 1994-2009), uma das séries de maior sucesso da história da televisão mundial. Diferente da série mencionada anteriormente, o protagonista aqui era o hospital, o entra e sai, as emergências e afins, a série teve seu elenco principal reformulado várias vezes, sem que nenhum dos personagens originais ficasse na série ao longo de todas as temporadas. Anthony Edwars e George Clooney ficaram a frente do elenco ao longo das oito primeiras temporadas, Clooney ficou famoso por interpretar o pediatra Doug Ross, papel que lhe renderia fama para brilhar nos cinemas nos anos seguintes a sua saída da série. Noah Wyle foi o ator que ficou mais tempo na série, ele interpretou John Carter até a 10ª temporada. A longevidade da série talvez se deva aos esforços dos roteiristas que foram em muitos hospitais de Los Angeles para criar novas histórias para a série. Muitas das cirurgias da série são dramatizações de casos reais.
ER acumulou números impressionantes, é a segunda série mais premiada do Emmy, com 110 prêmios e 232 indicações. Tinha como produtor-executivo John Wells, que também criou Parceiros da Vida (Third Watch, NBC, 1999-2005), uma série que exaltava o trabalho conjunto e codependente da polícia, dos bombeiros e do serviço de resgate da cidade de Nova Iorque.
Bruxas, vampiros e outras coisinhas...
Os vampiros e as bruxas sempre foram fontes de histórias e na televisão dos anos 90, o tema até então inexplorado, foi um sucesso. Josh Weldon (diretor de Os Vingadores) foi quem popularizou os vampiros nos anos 90 com Buffy – A Caça Vampiros (Buffy the Vampire Slayer, The WB, 1997-2003) ambientada em Sunnydale, Califórnia, mais conhecida como Boca do Inferno, uma região multidimensional, onde coisas estranhas e horríveis aconteciam e assombravam os habitantes. É justamente para lá que Buffy Summers (Sarah Michelle Gellar), uma jovem espertinha que descende de uma longeva linhagem de caçadores de vampiros vai.
Quando lembramos de uma bruxinha causando confusão, rapidamente lembrados de Sabrina, Aprendiz de Feiticeira (Sabrina, The Teenage Witch, ABC, 1996-2003), protagonizado por Melissa Joan Hart. A personagem foi inspirada nos quadrinhos e desenhos animados da Turma do Archie, nos episódios acompanhávamos Sabrina tentando se tornar uma bruxa séria. Como se esquecer do gato falante, Salem...
O florescer da tecnologia ajudou muito na criação de muitas séries, dentre elas A Família Dinossauro (Dinossauro, ABC, 1991-1994), a série apresenta a família Dino (no Brasil, Dino da Silva), 60 milhões de anos atrás, em uma região conhecida como Pangeia. O chefe da família trabalha em uma empresa que derruba florestas, a esposa, cuida da casa e dos filhos adolescentes Charlene e Robbie, além do Baby, o ovo recém chocado da família – a série fez um enorme sucesso no Brasil, elevando as alturas o Xou da Xuxa, programa onde era exibido.
Lugares estranhos com acontecimentos estranhos
Os anos 90 também foram responsáveis por mesclar comedias dramáticas e o horror. Dentre as comédias, uma das que mais marcaram época, Northern Exposure (CBS, 1990-1996) contou a história do Dr. Joel Fleischmann (Rob Morrow), um médico enviado para uma cidade minúscula no Alaska. O Médico almofadinha não tinha ideia do que ia encontrar, uma cidade onde as coisas mais estranhas aconteciam. A série era tão agradável que abocanhou o Emmy de melhor série dramática, assim como Picket Fences (CBS, 1992-1996) que acumulou, ao longo de quatro temporadas, 28 prêmios Emmy, incluindo dois seguidos de melhor série dramática. Não é de se estranhar, o público dos anos 90 era outro, séries bizarras como essa ainda faziam sucesso – os episódios se passavam em Rome, Wisconsin, uma cidade conservadora, cenário dos mais estranhos assassinatos.
Teve também Twin Peaks (ABC, 1990-1991) e o (não tão) misterioso assassinato de Laura Palmer (Sheryl Lee). Na Alemanha, a série Twin Peaks foi ao ar pelo canal RTL, mas a série teve que ser cancelada após 20 episódios graças à baixa audiência, mas isso tinha um motivo muito claro, a emissora concorrente, SAT1, deu um spoiler daqueles, revelou quem era o assassino antes mesmo do primeiro episódio ir ao ar.
A TV e a lei
O nome Perry Manson lhe e familiar, pois se não é, Manson foi uma das personagens mais famosos da televisão americana nos anos 60 – recentemente a HBOMax fez um revival da série – nos anos 90 as séries sobre o sistema judiciário também passaram a mostrar os dramas dos advogados, é aí que entra David E. Kelley (de novo). Com toda sua genialidade criou duas séries com diferentes pontos de vistas sobre o sistema legal da cidade de Boston.
A primeira O Desafio (The Practice, ABC, 1997-2004), mostrando Bobby (Dylan McDermott) e sua equipe de advogados lidando com casos para lá de absurdos; e a outra Ally McBeal (FOX, 1997-2002) retratando uma advogada recém-formada e de coração partido. A série inovava ao mostrar a fértil imaginação de Ally tomar conta da tela de forma inusitada, criando alguns dos momentos mais diferentes da televisão até o momento.
Curiosidade: David E. Kelley é o único criador de séries da história que conseguiu ganhar o Emmy de melhor série drama e melhor série comédia no mesmo ano.
Mulheres, Gays e risadas garantidas!
A série Sex and the City (HBO, 1998-2004) foi um marco na história da TV, não por colocar uma mulher como protagonista, mas por colocar quatro mulheres como protagonistas e ia além, mostrava o comportamento sexual das mulheres em Nova Iorque. Carrie (Sarah J. Parker) é uma jornalista do New Yorker e comanda a coluna “Sex and the City”. Através das histórias compartilhadas por suas amigas, Carrie escreve sua coluna abordando a relação das mulheres com o sexo. A série abordava o machismo, feminismo, sexo e todos os afins polêmicos ao mesmo tempo. É risada garantida e muito, muito, muito sexo.
E se os anos noventa se propôs a quebrar os tabus das mulheres, também foi uma década de romper tabus masculinos. Em Will & Grace (NBC, 1998-2006), uma mulher à procura de um bom e duradouro relacionamento divide um apartamento com um cara à procura de um bom e duradouro relacionamento... porém, gay – essa é a realidade da série que mostra Will (Erick McComark) e Grace (Debra Messing) convivendo em New York. Outrora namorados e agora melhores amigos, ela acaba descobrindo que Will é gay. Grace trabalha em um ateliê, sua secretária Karen (Megan Mullaly, engraçadíssima) é uma milionária que precisava de um emprego qualquer só para se distrair, no fim das contas ela sequer trabalha, só está lá para debochar da cara de Grace e por fim completa o elenco, o engraçado, Jack (Sean Hayes), um gay estereotipo, exagerado, engraçado que insiste em uma carreira de ator apesar de saber que é um dos piores que já existiram na terra.
A série é um marco porque colocou dois personagens homossexuais no horário nobre da televisão americana sem chocar os mais conservadores, foi um sucesso de audiência, a série ganhou vários prêmios, inclusive o Emmy de melhor série comedia e para todo o quarteto de astros.
Will & Grace é uma raridade do mundo das séries, talvez a única série da história que tem todos os episódios dirigidos pela mesma pessoa, James Burrows. A série também ficou famosa ao convidar famosos para interpretar eles mesmos como Kevin Bacon, Janet Jackson, Elton John e claro, Cher já que o personagem de Sean Hayes era aficionado pela cantora.
Um roteiro eficiente, personagens engraçados e as situações mais embaraçosas, essa foi a receita pensada por Larry David e Jerry Seinfeld, criadores de Seinfeld (NBC, 1989-1998) série feita para ser comédia trivial sobre as coisas do dia a dia, como era a base das apresentações que Jerry fazia em seus standup’s. Os oito episódios iniciais serviriam basicamente para apresentar os quatro personagens principais: Jerry (Jerry Seinfeld), um bem sucedido comediante, seu melhor amigo, George Costanza (Jason Alexander), sempre com a pá virada; a ex-namorada de Jerry, Elaine Benes (Julia Louis-Dreyfuss), sem papas na língua, fala tudo o que lhe vem a cabeça e, por fim, Cosmo Kramer (Michael Richards) o vizinho do apartamento ao lado, um figurão com a personalidade mais excêntrica de qualquer série de qualquer tempo. A serie fala de tudo e de nada ao mesmo tempo, abordando assuntos como a homossexualidade, sexo livre, casamento, masturbação, carreira, comida e como esquecer onde estacionou o carro em um estacionamento gigante.
Na linha dos amigos, por fim e mais importante, deixei minha amada Friends (NBC, 1994-2004), a história de um lindo relacionamento de amizade entre seis amigos: Chandler (Matthew Perry), Joey (Matt LeBlanc), Ross (David Schwimmer), Monica (Courteney Cox), Rachei (Jennifer Aniston) e Phoebe (Lisa Kudrow) – cada um dos seis personagens tinha uma personalidade única e inesquecível. Ao longo de 10 temporadas somos bombardeados por milhares de piadas insanas, alguns dos episódios mais engraçados da história e um dos finais mais comoventes que existem. Eu prefiro não ficar me alongando e destrinchando a série, é melhor que você assista e tira vossas próprias conclusões.
Os anos 90 foram uma década muito prolifera e claro que não deu para falar de todas as séries aqui, então desde já, peço desculpas se deixei a sua serie do coração de fora. Deixa aí nos comentários se deixei passar alguma e na semana que vem falamos das muitas séries preencheram a televisão estadunidense dos anos 2000.
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